domingo, 12 de junho de 2011

Três horas, e uma garrafa de vodka e meia depois,

Eu e Lena saíamos do barzinho de quinta onde tínhamos estacionado a noite inteira.
                Entre passos trôpegos e o risco de vomitar a cada dois segundos, voltávamos para casa, uma segurando na cintura da outra.
                Tínhamos bebido tanto que nem lembrávamos ao certo porque tínhamos começado com aquilo. No fundo da minha cabeça, a imagem borrada de um menino agarrando uma piranhazinha tentava entrar em foco, mas era tudo muito confuso.
                A única coisa que nós duas sabíamos – pois repetíamos a cada cinco minutos – era que...
                - Os homens não prestam. – falamos em uníssono, como se fosse o nome de uma rua ou de um lugar.
                - Não... não prestam nem um pouquinho.
                - Nem um pouquinhozi-zinho...
                Eu e Lena gargalhamos abertamente, assustando um casal que passava do nosso lado.
                - Oq... o que-que foi? Hein? O que, que vocês estão olhando? – dizia Lena, a voz embargada, dessa vez pelo álcool.
                - Eles acham que são tão superiores só porque... estão namorando... – eu completei, vendo o casal balançar a cabeça em reprovação e se afastar.
                - Eles... são uns otários.
                - Aquela menina é uma otária.
                - Porque os homens não prestam! – Lena e eu dissemos juntas, mais uma vez.
                Continuamos andando – ou melhor, tropeçando – por um tempo, eu agradecendo pelos meus pais estarem viajando, e não sabendo como Lena disfarçaria sua embriaguez, quando um letreiro na rua iluminou-se completamente, coraçõezinhos vermelhos e cor-de-rosa pulsando vivamente.
                Estava escrito, em letras cursivas: Faltam apenas algumas horas para o Dia dos Namorados! Comemore com seu amor e compre nas Lojas Marcela!
                Talvez por estarmos tão bêbadas, ou talvez simplesmente porque ficamos em completo choque,  eu e Lena permanecemos por um bom tempo paradas em frente ao letreiro, lendo as palavras de novo e de novo, completamente abismadas.
                Por fim, depois do que pareceram horas, eu consegui dizer:
                - Dia dos... namorados?
                - Dia dos namorados?  - repetiu Lena.
                - Não... deve estar errado. Amanhã não pode ser o... pode?
                - Não, nós saberíamos. Alguém teria nos contado, nós teríamos visto antes em algum lugar. O Jú... bem, nós saberíamos.
                - Mas espera... espera aí... Que dia é hoje?
                - Eu, eu esqueci. É dia... dez, não é?
                - Não, acho que não... dia dez foi sexta, tenho certeza...
                Nossa cabeça mergulhada em vodka estava confusa demais para assimilarmos qualquer coisa direito. Por fim, Lena pegou seu celular e olhou no calendário dele.
                Ela simplesmente abriu a boca, sem falar nada.
                - Ah, não, não não não! – falei. –Não pode ser verdade, não pode...
                - Mas é... – disse Lena, baixinho.
                Tomei o celular da mão dela, e olhei para a data. Dia onze... de junho... de 2011.
                O dia dos namorados era amanhã.
                - Puta que pariu!! – as duas disseram ao mesmo tempo.

Meia hora mais tarde, me sentindo bem mais sã, graças à descarga completamente humilhante de choque que acabara de receber...
                - Não sei porque estamos fazendo isso. – falou Lena, deitada na minha cama, com os olhos fechados.
                - Porque ou é isso ou é pular da janela. E meu prédio tem dezesseis andares.
                - Ah, saquei.
                Lena, não sei como, conseguiu disfarçar a voz e dizer de modo levemente convincente aos pais que dormiria na minha casa. Como nós dormíamos uma na casa da outra o tempo inteiro, Lena saiu ilesa.
                - Mas quem garante que isso vai funcionar? A janela pelo menos é uma certeza absoluta. – minha amiga virou-se lentamente e olhou para mim, que estava agachada sobre o tapete cor-de-rosa felpudo do meu quarto.
                - Porque eu já vi acontecendo. Minha prima de Barão fez e deu certo, e a Caroline também.
                - Que Caroline?
                - Aquela do terceiro ano, com quem você não conversa.
                - Ah, sei. E você confia no que essas duas dizem?
                Ergui os olhos para Lena e apontei para a tela do meu computador.
                Suspirando de preguiça, ela levantou bem devagar e sentou na cadeira em frente ao monitor. Pude ver sua reação surpresa de onde estava.
                Havia duas fotos, uma da minha prima e outra da Caroline. Ambas com dois lindos garotos do lado, aparentando igualmente estarem felizes e completamente apaixonados.
                - E isso aconteceu...?
                - Depois que elas fizeram à simpatia, sim.
                Lena ficou do meu lado, olhando os ingredientes com receio.
                - Não é perigoso ficar mexendo com essas macumbas?
                - Aah, deixa de ser medrosa. É só uma simpatiazinha.
                - Não sei não... já li que essas coisas podem tirar o livre arbítrio dos outros, que isso é magia negra.
                - Nós não estaremos tirando o livre arbítrio de ninguém. Só vamos pedir ao universo que nos traga amor.
                - Ao Cupido, você quer dizer.
                - É, é, ao Cupido.
                Joguei pétalas de amor-perfeito dentro de uma vasilha com água fervendo, e derramei uma boa quantidade de mel dentro. Depois, coloquei canela e  um pequenino quartzo rosa, que retirei de um brinco meu.
                Aquela era uma simpatia para trazer amor, que eu tinha visto num site de uma tal de Madame Dite, e que minha prima e minha amiga haviam usado. Menos de uma semana após fazer o feitiço, elas apareceram com dois caras maravilhosos e completamente caidinhos por ela. Quando me contaram a história pela primeira vez eu achei tudo muito bizarro e meio patético, afinal, se aquela macumba tinha dado mesmo certo, aquele amor não era verdadeiro, era fabricado, o que meio que tirava a graça de tudo.
                Porém, devido a todos os eventos absurdamente humilhantes e degradantes que eu e minha amiga haviam sido submetidas nesse terrível dia – e pelo desesperante dia dos namorados que se seguiria – eu mudei completamente de opinião  e resolvi que patético mesmo era a cena que existiria se eu e Lena não fizéssemos aquele feitiço: duas garotas sentadas numa lanchonete da Savassi se entupindo de chocolate quente até ele sair pelas espinhas que dariam em seus rostos, completamente sozinhas e com um transatlântico interestadual de relacionamentos amorosos completamente fodidos.
                Eu iria fazer aquela simpatia.
                - Me dê uma mecha do seu cabelo.
                - O quê?! – disse Lena, se afastando vários passos.
                - Uma mecha do seu cabelo. Anda logo Lena, daqui a pouco vai dar meia-noite.
                - E daí?
                - E daí, que esse feitiço funciona melhor se for feito exatamente a meia-noite, e de acordo com a Madame Dite, se for numa meia noite do Dia dos Namorados então... é perfeito!
                Lena olhou para a mistura que eu preparava meio assustada. Eu revirei os olhos e disse, sem dó nem piedade: - Ok, então, fique você sem a ajuda do Cupido. Quem sabe outro Júlio não apar...
                Menos de um segundo depois, uma cumprida mecha de cabelo ruivo parava em minhas mãos.
                - Boa menina.
                Cortei uma mecha também do meu cabelo e coloquei ambas na mistura, tendo o cuidado para que elas não se cruzassem – eu não queria acabar apaixonada pela minha melhor amiga.
                Por fim, eu peguei a imagem de um gorducho cupido, com bochechas fofas e um arco e flecha em forma de coração e chamei Lena para o meu lado.
                - Segure o cupido e repita as palavras que eu disser, ok? Mas não gagueje nem se atrapalhe.
                - Tá bom, tá bom.
                - Ok, então. – respirei profundamente e pensei um pouco no que estávamos fazendo.
                E se desse certo? Quer dizer, e se aquele negócio maluco realmente desse certo?
                E se eu mergulhasse esse cupido na água quente, dissesse umas palavras, e amanhã de manhã a campainha soasse e um garoto perfeito aparecesse na minha porta? Será que era pedir demais? Será que era muito querer que, uma só vez, só uma vez, eu realmente conseguisse gostar de um menino bacana, e que ele gostasse igualmente de mim também?
                Será que era muito querer amar?
                - Mergulho meus desejos na água, mergulho minha vontade no mel, e coloco minha força no quartzo. Misturo minha força com a força dos elementos, enquanto sua força se mistura ao meu poder.
Eu e Lena erguemos o cupido acima de nossas cabeças.
- Eu chamo a magia do amor, eu chamo a magia do Cupido. Senhor dos amantes e namorados, esposo de Vênus e parceiro de Afrodite. Chamo por ti, senhor dos destinos, que sua flecha seja minha flecha, que sua mira seja o meu coração. Misture seu poder ao meu poder, e me ajude a encontrar uma paixão!
Mergulhamos o cupido dentro da mistura.
Não sei se foi a bebida ou a emoção do momento, mas eu posso jurar que senti, no momento em que coloquei o cupido dentro da água com mel e flores, um leve formigamento começar das minhas mãos e se iluminar como um raio até o fundo do meu coração.
Talvez tenha sido imaginação, mas foi o que senti.

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