mas correr por um shopping a procura de um garçom com olhos cor-de-rosa, com seu melhor amigo – que deveria se gay – gritando juras de amor atrás de você e com sua cabeça querendo explodir de tanta ressaca não é nada fácil.
Principalmente se você está no Pátio Savassi.
- Nina, espere!! – dizia Dan, enquanto eu passava por patricinhas e casaizinhos que olhavam para mim com espanto. – Meu amor, espere!
Eu não estava correndo de verdade, claro que não. Eu apenas andava o mais rápido que meus óculos escuros mega-gigantes e meu medo dos seguranças me expulsarem me permitiam.
- Nina!
Mas o garçom estava correndo. Era a única explicação para o fato de, a cada esquina que eu virava ou andar que descia, seus cabelos loiros parecerem mais e mais distantes de mim, até finalmente chegar ao ponto dele desaparecer.
Parei no primeiro andar, sentindo meu coração disparar e minha cabeça latejar continuamente. Um segundo depois, Dan me alcançou. Ele tomou minhas mãos nas suas e começou a declamar qualquer coisa sobre ‘destino’ e ‘amor eterno’, mas eu não prestava atenção. Minha cabeça estava naquele garçom esquisito, que eu ainda tentava achar entre a confusão de pessoas e vitrines.
E naqueles olhos cor-de-rosa, do mesmo tom que os de Dan estavam agora.
O que aquilo significava?
Provavelmente que eu estava louca, ou que o álcool ainda surtia efeito no meu corpo. Mas e se fosse outra coisa?
Pensei naquela mancha em forma de coração nas sobrancelhas do garçom, e no choque elétrico que percorreu minhas veias no instante em que toquei sua mão.
Um instante depois de tocá-lo, Dan, o meu “amigo gay”, estava no chão fazendo juras de amor. Poderia ser muita paranóia da minha cabeça, mas não parecia haver outra explicação...
Se eu estivesse certa, se desde ontem a noite eu estivesse certa em tudo, então eu acabara de conhecer o Cupido – e de perdê-lo no Pátio Savassi.
E ele acabara de fazer meu amigo virar hétero. E se apaixonar por mim.
Poderia ser até engraçado, se não fosse completamente assustador.
- Minha Nina! Porque não me responde?
- Oi? – disse, acordando dos meus pensamentos.
- Me diz, Nina, Sol da minha vida. Você aceita?
Olhei ao redor, para todas as pessoas que olhavam para nós como se fôssemos fugitivos do hospício.
- Aceitar o quê?
Dan grunhiu, frustrado, e então pareceu ter uma idéia brilhante. E quando eu dei por mim, Daniel Emmerson ficava de um joelho só na porta principal do Pátio Savassi, pegando minha mão direita, e dizendo, com a voz embargada de emoção: - Nina Marcela Carvalho Nunes, você aceita se casar comigo?
Arregalei meus olhos enquanto o shopping inteiro sussurrava e ria da minha expressão.
Ótimo. Meu primeiro pedido de casamento é feito por um cara que assina a revista Garanhões Sarados.
- Daniel. Levante-se. Agora. – eu falei, meu rosto com toda certeza se transformando numa máscara avermelhada de vergonha.
Ele me olhou confuso.
- Isso é um sim?
- Não isso não é um sim! – o puxei do chão e comecei a arrastá-lo para fora dali. – Agora vamos embora Dan. Você não está sendo você mesmo.
Mas não seria tão fácil assim.
- É claro que estou sendo eu mesmo. – ele falou, parando no meio do caminho. Tentei puxá-lo de volta, mas eu não era páreo para a massa de dois metros e meio do meu amigo modelo.
- É claro que você não está sendo você mesmo! Dan, acorda!
Gritei, estalando os dedos sobre seus olhos rosa. Quem sabe ele não estava em algum tipo de transe e tudo que eu precisava fazer era acordá-lo?
- Você é gay. Gay. Lembra? Seu namorado está numa turnê mundial. Você se vestiu de Lady Gaga no último Halloween, pelo amor de Deus. Você não me ama. Você só está confuso.
Agora havia uma pequena platéia em volta de nós dois. Com toda certeza estávamos fazendo o maior sucesso, as pessoas até paravam suas compras para olhar para mim e Dan.
- Não estou confuso. Eu tenho muita certeza do que estou dizendo, Nina. EU AMO VOCÊ.
- Ok – disse, dando uma risada. – Se não acredita em mim, então abra sua carteira. Vamos, abra.
Dan ergueu uma sobrancelha – parecendo um pouco com o Dan normal (exceto pelos olhos cor-de-rosa. E será que eu era a única a notar isso, aliás?) – mas fez o que pedi. E ele viu, enfiada dentro de uma das divisórias da carteira, a foto em que ele e seu namorado se beijavam loucamente, na festa após o Mtv Movie Awards que aconteceu na casa do Usher, há dois meses.
Os olhos de Dan se arregalaram por um momento, virando rosa-shocking. Quando ele olhou de volta para mim, não sei por que, mas senti um leve calafrio.
- Então é por isso que você não me aceita? Por causa de um beijo?
- Acho que isso foi um pouco mais de um beijo. – falei.
Primeiro eu pensei que finalmente tinha o convencido a parar com todo aquele lance de “Romeu e Julieta”. Daniel olhava da foto para mim, e de mim para a foto com uma expressão séria. E eu quase achei ter visto uma luz verde sobre o brilho cor-de-rosa em seus olhos.
Mas então – claro – ele disse:
- Se é por um beijo...
E de repente, eu via Daniel Emmerson colocando suas mãos no meu rosto; e os lábios de Daniel Emmerson colando-se aos meus; e a língua de Daniel Emmerson juntando-se a minha. E então, na porta de um shopping de Belo Horizonte, Daniel Emmerson me beijou. Escandalosamente. Tipo novela das nove.
Se foi estranho? Pra caralho. Quer dizer, eu já vi Dan beijando muitos caras antes. E já o vi beijando garotas também, mas mesmo assim.
Se foi bom...?
Bem, não vou mentir. Foi legalzinho, vai. Ok, foi bom. Tá bom, ta bom, foi ótimo ok, eu admito. Eu até coloquei minhas mãos em volta do seu pescoço.
Hei, não olhe assim para mim! O cara era um modelo internacional. Ele não era gatinho não, ele era um deus grego. E admito que quando o conheci eu tinha uma grande queda por ele. Mas isso foi meio que superado depois de ver sua coleção de pôsteres do Leonardo DiCaprio, e de todas aquelas revistas dos Garanhões Sarados.
Mas isso não apagava o fato de que ele era lindo. E nem de que ele beijava muito bem. Quer dizer, sei que é brega dizer isso, mas sua boca realmente parecia ser feita de veludo. E quanto a todo o resto... bem, vamos apenas dizer que não era só minha língua que estava curtindo aquele momento.
Eu e Dan ficamos assim, nos beijando, e a coisa ficava cada vez melhor e melhor – se é que isso era possível. Não é a toa que o JB lá é amarradão pelo meu amigo. Provavelmente esse foi um dos melhores beijos que eu já tive... tirando um cara do Axé, que eu nem sei o nome... e teve outro também, que não tô me lembrando de onde que era... mas enfim, com toda certeza estava no top 5.
E foi mais ou menos aí que eu comecei a me perguntar... qual era o problema? Quer dizer, sério. Qual era o problema?
Tudo bem que era sacanagem porque o Dan estava namorando, e as pessoas certamente ficariam meio confusas. Mas e daí? Hoje em dia não existe mais essa coisa de homo e hétero... todo mundo gosta de todo mundo – não é mesmo?
Então qual era o grande problema de eu simplesmente continuar beijando meu amigo ga... ex-gay, acho, e sei lá, ter um relacionamento com ele, talvez? Claro que eu não aceitaria o pedido de casamento, porque isso sim seria loucura. Mas quem sabe um namoro? Não seria algo ruim. Eu e Dan somos amigos há tanto tempo... e temos tanto em comum – e ok que ele é meio chato e super critico. Mas eu poderia relevar todas essas coisas... se ele apenas continuasse me beijando assim.
Afinal, deve haver um motivo para o Cupido ter escolhido justamente o Dan para se apaixonar por mim. Talvez esse era o nosso destino. Talvez, desde o começo, nós éramos destinados a ficar juntos – tudo bem que eu que fiz o feitiço que teoricamente fez isso tudo acontecer mas...
Eu só estou dizendo que isso tudo parecia certo, sabe? Principalmente se ele continuasse me beijando.
Foi nesse exato momento que um flash branco explodiu no meu rosto, tão forte que se não fosse pelos óculos escuros, minha cabeça com toda certeza explodiria bem em cima do tapete da entrada do shopping. Eu me virei assustada e vi um homem baixo e gorducho segurando uma enorme câmera profissional, que disparava flash depois de flash, uma hora focando em Dan, outra hora em mim, e outra em nós dois.
Um paparazzo. Eu descolei – com certa resistência, admito – minha boca da de Dan e me perguntei, ainda meio zonza, o quê um paparazzo estava fazendo tirando foto de mim e do meu futuro namorado?
- Em, isso quer dizer que você e o JB terminaram?
E foi aí que caiu a ficha.
Ahhh é mesmo. Meu “futuro namorado” era uma celebridade. Que namorava outra celebridade.
Que era um homem.
Merda, o que diabos eu estava fazendo???
Outro paparazzo apareceu aparentemente do nada, e esse tinha uma câmera e uma repórter que apontava o microfone para nós dois e fazias perguntas como: “Qual é seu nome?”, “Quantos anos você tem?”, “Como vocês se conheceram?”, “Isso quer dizer que você não é gay?”, e “Querida, o que exatamente você está vestindo?”.
Ok, aquilo era o bastante. Enquanto eu ficava morta de vergonha e via mais pessoas e mais paparazzi se aproximando – e vendo Dan ocupado respondendo todas as perguntas e sorrindo para todas as fotos (era interessante saber que seu lado exibido não tinha sido afetado pelo feitiço) – eu comecei a me afastar discretamente, cobrindo meu rosto e caminhando para a calçada bem devagar. Não sei bem como, mas finalmente me vi atravessando rapidamente a rua, e me afastando o mais rápido possível daquele lugar. Por sorte, Dan não me seguiu. Acho que ele estava ocupado demais com seu outro amor – tão grande que nem o Cupido conseguira apagar: ele mesmo.
Eu cheguei do outro lado da calçada, querendo simplesmente afundar minha cabeça no chão, quando trombei com alguma coisa grande e maciça, que me fez cair de bunda no chão na hora.
Ergui meus olhos para a coisa que tinha me derrubado, me preparando para dizer todos os palavrões que me viessem à cabeça – minha bunda estava doendo à beça – quando percebi, sobre o sol da tarde, um cabelo loiro despenteado, um rosto lindo como um anjo, e um par de olhos pink.
O Cupido, bem na minha frente.
Eu não sabia exatamente o que dizer, mas com toda certeza não diria às palavras que saíram de sua boca um segundo depois:
- Menina idiota.