domingo, 12 de junho de 2011

Duas horas depois, no Café do Z:

                - Homem não presta. – dizia Lena. – Não presta, ponto final.
                - Não esqueça que era uma menina que estava com ele. – eu disse, depois de fungar um pouco.
                - É claro que não. Mas aquela ali não é nem uma menina. Temos outro nome para aquele tipo. Você viu o tamanho daquele decote?
                Ah, eu tinha visto. Eu tinha visto, depois de meia hora zanzando pelas ruas da Savassi, meu ficante e aquela “menina” se agarrando escandalosamente na porta de um McDonald’s, como se nada demais estivesse acontecendo. Eu tinha visto muito bem a mão dele dançando como uma cobra pelo corpo daquela men... ok, daquela vadia. E não pude deixar de notar a cara óbvia de prazer que nunca saía do rosto daquele idiota.
                Eu tinha visto tudo. Até o que não queria ver.
                - Somos duas fodidas. – eu disse, depois de virar meu copo de chocolate quente com cobertura extra – usado apenas em momentos de crise.
                - E bota fodidas nisso. – Lena fez a mesma coisa. – Dá para acreditar? No mesmo dia em que o meu namorado idiota termina comigo, o seu namorado idiota trai você. Nós somos mais que fodidas amiga. Nós somos completamente, absolutamente, sem nenhuma sombra de dúvida fodidas.
                - É, é por aí.
                - Zeca, mais dois quentes com extra! – gritei.
                - E não é só que somos fodidas. – Lena continuou. – Nós somos fodidas várias vezes. Quer dizer, se ao menos essa fosse a primeira vez que isso estivesse acontecendo conosco até ia. Mas não é. Não é mesmo.
                Eu concordava com a cabeça.
                - Se lembra do Victor? – disse.
                - Ah, claro que lembro. O cara do resfriado não é?
                - É. Toda vez que nós íamos sair, ele estava gripado. Acho que nunca tomei tanto Naldecon como naquelas semanas.
                - Ih, amiga, e o Carlos? Lembra, nós ficávamos o dia inteiro esperando que ele saísse do cursinho...
                - ... e depois íamos comer no McDonald’s, e tudo por nossa conta.
                - É, e só porque ele tinha aqueles olhos azuis perfeitos... se ao menos ele tivesse ficado com uma de nós...
                - Mas não, ele só falava sobre aquelas bandas esquisitas e sobre Will Smith.
                - É, o que era aquela fixação dele pelo Will Smith?
                Eu ri um pouco.
                - Não sei. Ei, você se lembra do Gabriel?
                - Hmm... não.
                - Eu lembro. Esse beijava bem. Uma pena que mudou de cidade...
                - Ah, e por falar em mudar de cidade...
                - Cala a boca Lena.
                Lena riu. – Nem pensar. Vamos ver, por onde começo... ah! O Vinicius, de Sabará.
                Eu ergui a sobrancelha e comecei a tomar meu chocolate quente. Nem morta que ia entrar na de Lena.
                - Ah, vamos lá, amiga. Ó, eu lembro também do Téo. Ele era de Sabará também não era?
                Continuei calada.
                - Os dois tinham a péssima mania de falar de time. Nada contra um cara gostar de futebol, claro, mas comentar os gols do Cruzeiro no meio de uma ficada...
                - Não sei do que você está falando. E o Pedro de Diamantina? Ele literalmente te trocou por futebol.
                - Então agora você resolveu falar? – Lena jogou um canudinho em mim. – E nem vem com essa. Ele me trocou por vôlei.
                - Só piorou.
                - Tá bom então, senhora “Jane”.
                Lena gargalhou alto, e, mesmo não querendo, eu comecei a rir também.
                - Nunca mais vi o Tarzan com os mesmos olhos. – Continuamos rindo enquanto me lembrava do cara de Lavras que, depois de uma festa,  ficou tão bêbado que começou a gritar feito um macaco, no meio da rua, e a me chamar de Jane.
                - Quem mais...
                - E o Hepatite, de Barretos?
                - Ah, ele até que era legal.
                - Legal? Que tal maluco? O cara só usava amarelo. Até o cadarço do tênis era amarelo.
                - Tudo bem, tudo bem. Mas ninguém é tão maluco que nem o PJ.
                PJ, de Patos de Minas. Era gatíssimo, beijava super bem, era até simpático... mas tinha TOC. Sabe, aquele transtorno onde as pessoas tem manias absurdas? Eu não teria nenhum problema com isso... se sua mania não fosse a de gritar “Terra a vista!” sempre que alguém falava a palavra mar.
                Ah, para quem está perdido com todo o lance das cidades e tudo mais eu explico: eu e Lena temos parentes em praticamente toda Minas Gerais. Sério mesmo. Pode visitar qualquer cidadezinha de interior, qualquer mesmo, e perguntar se tem alguém lá de sobrenome Nunes ou Ferreira que com toda certeza a resposta será sim.
                De modo que sempre estamos viajando para esses lugares. E, como temos muitos primos e primas da nossa idade, acabamos fazendo amizade com a galera toda, de todas as cidades que passamos.
                O que significa que nossa trilha amorosa chega a mais lugares que o Rio São Francisco.
                Enfim, rimos mais um pouco lembrando de outros caras, e de mais cidades, até que nós duas gritamos, com uma bela dose de raiva na voz:
                - Os gêmeos!
                - Graças a Deus, nunca mais vimos eles!
                - Isso porque nunca mais voltamos pra Governador. Ainda não acredito que eles conseguiram nos enganar...
                Os gêmeos eram dois garotos que conhecemos, Maurício e Mauro, que – talvez por puro fetiche, ou porque era estranhamente divertido – nós duas começamos a ficar ao mesmo tempo. Em um feriadão, saíamos os quatro juntos, indo para rodeios ou festinhas. O que nós não desconfiamos, em nenhum dos dias que ficamos juntos, era que eles se revezavam a cada meia hora entre eu e Lena.
                Só fomos descobrir isso graças a um comentário do Orkut, um mês depois.
                - Aqueles dois eram canalhas nojentos.
                - É, talvez eles, o Léo e o Júlio se conheçam.
                A menção do nome de nossos respectivos ex-ficantes apagou o ris o dos nossos rostos.
                - Nem acredito que estamos de novo nessa, amiga. – falei, segurando a mão de Lena.
                - Eu sei... porque as coisas nunca dão certo pra gente?
                Ficamos ali, olhando uma para outra, sem saber a resposta. Por mais engraçado que fosse lembrar de todos os caras com quem ficamos e namoramos, no fundo, no fundo não era nada legal. Só mostrava claramente que, depois de tantos relacionamentos, nunca nenhuma de nós conseguira ficar com um cara por mais de três meses.
                Comecei a sentir meus olhos lacrimejarem.
                -Zeca, mais um...
                - Não! – gritou Lena, me assustando. – Já chega de chocolate. O que a gente precisa não é de doce.
                Lena pegou um bolo de notas da carteira e jogou na mesa, me olhando em seguida desafiadoramente.
                Eu concordei com a cabeça, sentindo meu coração começar a bater mais rápido.
                - Vodka. – dissemos juntas.

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