segunda-feira, 15 de agosto de 2011

Ok, não era a Avril Lavigne


Mas era quase idêntica. A garota, que deveria ter seus vinte e poucos anos, usava um All Star enorme, que vinha até o joelho, e vestia uma saia preta plissada, com uma camiseta escrito “Love is the worst” em letras prateadas. Seu cabelo era exatamente igual ao da Avril – longo e castanho com as pontas pintadas de preto.
            E ela era muito bonita também. Todos os caras por quem passamos na rua olharam para ela, admirando suas pernas ou encarando seu decote. O único cara que parecia estar nem um pouco a fim dela naquele momento era o dois metros e meio de fúria que nos acompanhou, batendo os pés, por toda Savassi até chegar ao centro.
            Aliás, se havia alguém que queria fazer qualquer coisa, menos estar perto da gêmea perdida de Avril Lavigne agora era o Cupido.
            Ou melhor, Eros. Esse era o nome dele.
            - É o segundo prédio à esquerda. – disse Lea (e era esse o seu nome, não... sei lá, Abril Lavigne, como eu tinha imaginado) apontando um prédio completamente normal na Rua da Bahia, que ficava ao lado de uma farmácia.
            Eu deveria ter passado por aquele prédio um milhão de vezes antes, e nunca na minha vida teria imaginado que era lá que o Serviço de Atendimento, Consultoria e Prestação de Amor Romântico por Cupido (Filiação Sul-Americana) ficava. Aliás, acho que eu nunca nem tinha reparado nesse prédio até ter a sósia de uma cantora e um cupido furioso me levando até a portaria, que era bem pequena e bem simples.
            - Boa tarde. – disse o porteiro, quando chegamos. Ele também parecia bem normal, usando uma camisa social amassada, e uma gravata suja de tinta.
            - Olá. Décimo segundo, por favor.
            - Claro. – ele disse. – Identificação?
            Lea mexeu em sua bolsa preta com correntes e bottons e tirou de lá uma carteirinha de plástico, parecida com aquelas que te dão quando você entra num clube. O porteiro examinou a carteirinha e digitou alguns números no computador, provavelmente identificando Lea no sistema.
            - Pronto. – ele falou, um instante depois. – Pode entrar senhorita Lavínia. Uma boa tarde.
            - Obrigada.
            Pausa. O sobrenome dela era Lavínia?? Quase como Lavigne?? Rá! Eu sabia que ela teria um nome parecido com o da Avril. Mas vamos combinar né, Lea Lavínia não é lá uma combinação muito boa.
Mas do que eu to falando? Meu nome é Nina Nunes.
            É eu sei. Bem brega, não é mesmo? Sempre falo que meus pais me devem uma, por causa desse sobrenome tosco.
            Enfim. Seguimos até o elevador, eu reparando como a recepção do prédio era exatamente igual à de todos os prédios do centro: sombria, com sofás de couro meio velhos e mobílias escuras, tudo cheirando a Pinho Sol.
            O elevador também não fugia ao padrão. Era apertado, o espelho atrás era sujo, a câmera de segurança não funcionava realmente, e ele demorou umas duas horas para chegar.
            Quando finalmente paramos no décimo segundo andar, Lea e Eros haviam começado outra briga – das inúmeras que tiveram no caminho – e meu coração estava ligeiramente mais acelerado pelas coisas que eu estava a ponto de ver.
            Quer dizer, eu estava prestes a entrar num lugar meio que mágico, certo? Era lá que todos os cupidos da América Latina trabalhavam, onde funcionava o poder que fazia com que casais se beijassem nas praças, com que noivos trocassem alianças nas igrejas, com que velhinhos dividissem sopas de ervilha em asilos.
            Deveria ser um lugar emocionante, romântico, fantástico e...
            - Décimo segundo andar – anunciou uma voz eletrônica.
            ... cinza.
            Quando as portas prateadas do elevador se abriram, nós três entramos num grande escritório padrão, completamente cinza, com cubículos minúsculos cinza, cadeiras cinza, mesas cinza, paredes cinza (eram brancas, mas estavam escurecidas de sujeira e mofo) e pessoas vestidas, em sua maioria, de cinza.
            Se não fosse pelo céu azul, brilhando timidamente das janelas listradas por venezianas, eu pensaria que o mundo todo tinha se afundando num grande pote de tinta... cinza.
            - É... aqui?! – eu falei, sem conseguir disfarçar a decepção.
            - O que você esperava? – disse Eros, parando de discutir com Lea para olhar feio pra mim – Um lugar fofo e cor-de-rosa, com coraçõezinhos, arco-íris e anjinhos alados flutuando por aí??
            - Tecnicamente Eros, todos os anjos são alados. – era Lea, que começara a andar pelo longo corredor de cubículos, todos eles contendo uma pessoa-cinza aparentemente desprovida de vida e que teclava em computadores velhos e barulhentos, que provavelmente ainda usavam internet discada. – E quanto à decoração... admito que não é lá muito convidativa, mas é meio que esse o objetivo.
            - Como assim?
            - Bem... quando se faz o que fazemos, quando seu trabalho é baseado no amor e na atração, e você vive nesse mundo 24 por dia, quanto maior for a distância sua de todo esse universo meloso e cor-de-rosa dos namorados, melhor e mais rápido é o seu desempenho. É como contratar um alcoólatra para trabalhar numa adega. Não dá certo.
            - Humm... – eu tinha entendido, embora ainda achasse que uma corzinha ali e uma faxinazinha acolá não fosse uma má idéia.
            Chegamos ao final do corredor e viramos a direita, onde havia uma série de portas azul-acinzentadas que pareciam a ponto de se desfazer a qualquer momento. Continuamos andando até chegar à última porta, que de todas era a mais inteirinha.
            Era de madeira escura e tinha uma pequena placa de latão pregada no meio, que dizia em grandes letras de fôrma: Chefe do Departamento de Controle Administrativo Amoroso.
            - Chegamos! – falou Lea, parecendo meio que animada.
            - Urg... você é uma vaca, Lea! – já Eros soava exatamente o contrário. – Um dia ainda vai me pagar por isso.
            - Ei, não odeie o jogador, odeie o jogo.
            - Eu odeio o jogo Lea. Por isso que fiz o que fiz.
            - Bem, você sabe que meu IPR iria despencar se eu deixasse você sair dessa Eros. Realmente não é nada pessoal.
            - Não me venha com essa! Eles não iam descobrir nada, não tinha porque você...
            - Eles não iam descobrir nada?! Nós estávamos trabalhando na mesma área Eros, com duas civis relacionadas, num caso de pedido requisitado não convencional tipo C. Assim que você quebrasse o Arco todo o Departamento de Controle iria direto pra cima de mim. Admita, Eros, se fosse estivesse no meu lugar, faria a mesma coisa.
            Eros chegou bem perto de Lea, e olhou no fundo de seus olhos cor-de-rosa (sim, essa também era a cor dos olhos dela – juro que deve ter uma promoção dessas lentes em algum lugar... mas é mais provável que o negócio dos olhos tenha alguma coisa a ver com todo o lance de cupido). Ele falou, com a voz séria:
            - Se eu estivesse no seu lugar, eu já não estaria aqui há muito tempo.
            Lea estreitou os olhos e os dois se encararam longamente, parecendo ambos bastante sérios.
            Eu simplesmente fiquei ali parada já que, vamos admitir, eu estava boiando em toda essa história há muito tempo.
E quando parecia que eles ficariam ali para sempre, de repente, a porta se abriu.
            E o Latino ergueu uma sobrancelha pra gente.
            - Então nosso pequeno infrator chegou. – ele disse, seu brinco de diamante brilhando na orelha esquerda.

terça-feira, 2 de agosto de 2011

Eu simplesmente fiquei lá

Olhando para o Cupido com cara de retardada.
            - Levanta. – ele disse, com a cara fechada.
            Eu reparei, mais uma vez, em seus grandes e profundos olhos rosa, e na pequena mancha de coração acima da sobrancelha.  E foi só o que consegui fazer. Ficar encarando.
            Ei, que culpa eu tenho? Lá estava eu, fugindo do meu melhor amigo gay, ou melhor, fugindo do meu melhor amigo ex-gay, que agora era hétero graças, aparentemente, a um feitiço que eu mesma fiz, e que me beijou bem na porta do Pátio Savassi, quando bum! um cara alto e loiro que antes estava vestido de garçom – mas agora, não pude deixar de reparar, usava calça jeans e blusa de malha – e que eu tinha quase certeza absoluta que era o próprio Cupido – ou isso ou lentes rosa estavam na moda – me faz cair no chão pela segunda vez em menos de meia hora.
            Ah, e isso sem falar no fato de que sim, ainda estou de ressaca. Por mais que o beijo de Dan, odeio admitir, tenha me feito acordar um pouquinho.
            Tudo aquilo estava começando a me afetar. Quer dizer, é muita coisa pra uma garota só processar. Então não me culpem se a única coisa que eu consegui fazer, enquanto aquele garoto enorme e bonito tentava me levantar, foi simplesmente encarar seus olhos cor-de-rosa.
            - Eêi! Planeta das Retardadas! Acorde!
            De repente me vi sendo erguida do chão por dois grandes e – uau, bem musculosos – braços que me colocaram de pé novamente. O garçom/criaturaatéentãomitológicaquefaziacasaisseapaixonaremeaparentementegaysviraremheterosdenovo(a Igreja Católica devia contratar esse cara) se afastou e me encarou com as sobrancelhas franzidas.E eu, ainda paralisada, apenas o olhei de volta.
            - Nossa, deveria ser proibido que garotas como você usassem o Serviço. Argh, vamos lá então.
            O Cupido suspirou dramaticamente e passou um braço em volta de meus ombros, me fazendo andar junto a ele. Demos alguns passos juntos, quando de repente, eu acordei.
            - Espera, onde... onde estamos indo?
            - Onde acha que estamos indo Cabeça?
            Ele apontou para o enorme tumulto que tinha se formado na porta do Pátio, onde, no meio de câmeras fotográficas de alta resolução, Dan Emmerson dava intermináveis entrevistas.
            Meu pé se fincou no chão no mesmo instante.
            - O que foi? – O Cupido olhou pra mim com impaciência. – Vamos logo, eu não tenho o dia inteiro, tenho muito trabalho a fazer!
            - Olha... eu não sei se você é quem eu penso que é, quer dizer, você... – olhei  mais uma vez para a pinta de coração – você é mesmo...?
            - Argh – ele deu mais um suspiro. – Sim, eu sou. Sou o Cupido, tá legal? Ou melhor, um cupido. Agora, vamos?
            Ele fez força para eu continuar andando, mas eu permaneci no mesmo lugar.
            - Olha... não vai rolar.
            - Ãnh?
            - Desculpa, mas eu não posso voltar. Quem está naquele mar de fotógrafos ali é o...
            - O amor da sua vida, sim. Por isso mesmo que temos que ir.
            Dessa vez, o Cupido fez força mesmo para frente, e eu nada pude fazer a não ser andar, me aproximando cada vez mais do shopping.
            - Ei, não você não entende. Ele não é o amor da minha vida, ele é meu melhor amigo!
            - Ok, e daí? Já fiz amigos se apaixonarem tantas vezes que já até perdi a conta. Bem, isso não é realmente verdade, porque a conta fica gravada no... ah, esquece. Mas não se preocupe. Mesmo sendo seu melhor amigo, esse cara está te amando.
            - É esse o problema – eu dizia, enquanto esperávamos o sinal abrir. – Ele não é um cara.
            - Posso te assegurar que ele é um cara. Acho que chequei isso antes de apaixoná-lo.
            O sinal abriu e o Cupido me arrastou pela rua, mesmo que eu usasse praticamente toda minha força para ficar no lugar. Seu braço me apertava tão forte que eu estava perdendo o fôlego – era de se esperar que as pessoas achassem estranho ou no mínimo curioso que havia um cara praticamente puxando uma garota para o meio da rua, mas ninguém parecia notar. Tipo, ninguém nem ao menos olhava para nós.
            Será que... não, com certeza isso não tinha nada a ver com o Cupido.
            Certo?
            - Não, não é isso que eu quis dizer. – continuei, enquanto nos aproximávamos perigosamente da multidão, que agora incluía várias pessoas, além dos paparazzi. – O que eu quis dizer é que ele é gay. Entendeu? Gosta de meninos.
            O Cupido me olhou com os olhos arregalados.  E depois deu uma bela gargalhada.
            - Essa foi boa Cabeça. Mas posso lhe garantir que ele não é gay.
            Foi minha vez de rir.
            - E eu posso te garantir que ele é. – convenientemente, passamos na mesma hora por uma mulher que segurava uma revista de fofocas cuja capa estampava Dan e o cantor teen JB se beijando. Eu apontei para a revista enquanto falava “te garantir”.
            O Cupido estreitou os olhos para a revista, e pareceu pensar no assunto por um tempo. Mas depois deu de ombros e continuou me arrastando.
            - Bem, seja lá o que ele era, já não é mais. Agora ele é todo seu, garota.
            Finalmente chegamos ao meio da confusão de fotógrafos e gente curiosa, todos olhando e prestando atenção no que Dan Emmerson estava dizendo. Eu o observei sorrir e responder com calma as perguntas que agora um repórter que segurava um gravador fazia. Graças a Deus, Dan não me viu. Aliás, pensando bem, ele nem reparara que eu havia saído.
            - Uau, seu namorado gosta mesmo de atenção hein. – disse o Cupido, parecendo bastante impressionado. – Ainda nem reparou que você se mandou não é mesmo? Bem, melhor para nós. Certo, agora vá andando.
            O Cupido me deu um empurrãozinho em direção a multidão.
            Eu olhei para ele, chocada.
            - Vamos, vamos. Boa menina, vá.
            Ok, o que era aquilo? Ele estava insinuando que eu era um cão ou algo assim? Ergui uma sobrancelha.
            - Escuta, eu acho que você não entendeu.
            - Ah, eu não entendi?
            - Uhum. Eu não vou para lá.
            - Ah, mas você vai sim.
            - Não, eu não vou não. – cruzei os braços. – E você não pode me obrigar. O que vai fazer, me arrastar pelos cabelos até uma multidão cheia de jornalistas? Acho que as pessoas iam achar isso um pouco estranho.
            - Eu estou pouco me lixando pros jornalistas. Você vai andar até ali, e vai ficar ao lado do seu namorado e vai continuar durante todo o dia. Estou claro? Eu não estou pedindo. É uma ordem.
            A medida que falava, os olhos do Cupido adquiriram um tom de rosa escuro e profundo, quase vinho. Ele parecia bem nervoso.
            Mas quer saber? Eu também estava.
            Primeira coisa: aquilo era uma ordem?? Quem diabos ele pensava que era? Meu pai?! E depois, eu não podia mesmo voltar para o lado de Dan. Quer dizer, o que ele esperava? Que eu simplesmente esquecesse o fato de que ele era meu melhor amigo homossexual, que estava por o acaso comprometido e que – vocês viram ele falando – era um chato critico e sarcástico?
            E ok, ok, ele me beijou e eu estava curtindo, admito. Mas isso não quer dizer que é certo. Aliás, quer dizer o contrário. Se eu voltasse para aquela roda de paparazzi e Dan me beijasse outra vez... bem, eu não sei o que aconteceria. Quer dizer, ali de pé, olhando para um cupido zangado eu até poderia dizer que eu viraria meu rosto e/ou me afastaria caso ele tentasse algo.
            Mas lá, nos braços fortes e quentes de Daniel, vendo seus lábios grandes e macios se aproximando...
            Ai, meu Deus, isso tinha que parar já! Quer dizer, ele não podia simplesmente me obrigar a ficar com ele... não era mais para eu escolher com quem eu queria ficar? Ou sei lá, no mínimo que ele perguntasse antes se eu preferia morenos ou loiros, altos ou baixos, ou sei lá Edward ou Jacob – Jacob, obviamente. Palitos com calça skinny e cabelo ensebado não fazem meu tipo – ou pelo menos avisasse o que ia acontecer, antes de simplesmente fazer meu melhor amigo se apaixonar por mim.
            Afinal, eu meio que o havia... contratado, não é mesmo? Sim, acho que sim. Ele estava trabalhando para mim. Ou algo perto disso, pelo menos.
            Então não era bem eu que deveria estar seguindo ordens, certo?
            - Escuta, não sei bem quem você pensa que é – falei – mas você não manda em mim. E quer saber, é muito pelo contrário. Eu mando em você.
            O Cupido deu uma risada irônica.
            - Você o que?! Você manda em mim??! Essa foi muito boa. Olha, eu achei você meio lesada desde o começo, mas agora... você realmente se superou!
            - Será mesmo? – disse – mas quem fez o feitiço que te chamou...
            - Argh. Não é feitiço Cabeça. O nome é evocação. Onde acha que nós estamos, num dos livros de Harry Potter?
            - Bem, seja lá qual for o nome, até onde eu sei você deve me ajudar a encontrar um amor, certo? E quer saber? Eu não estou apaixonada pelo Dan.
            - Sério? Não foi o que aquele beijo parecia dizer.
            - Arrrg! Olha, admito que eu possa ter gostado do beijo dele... e vamos admitir, você já olhou para ele? O Dan é muito gato, e eu sempre soube disso. Mas isso não quer dizer que eu ame ele!
            - Bem, agora você simplesmente vai ter que começar a amar!
            Olha, tudo bem que eu deveria meio que estar agradecida, porque afinal, não é todo dia que alguém chega e faz uma pessoa cair de amores por você. Mas aquele Cupido estava me estressando cada vez mais. Quer dizer não era justo! Minha única oportunidade de encontrar o cara perfeito vai ser estragada pelo meu amigo gay que só vai saber criticar minhas escolhas de roupa pelo resto da minha vida?
            Eu acho que não.
            - O que?! Você por acaso está se ouvindo? Isso é ridículo. Eu não fiz esse feitiço para acabar com meu melhor amigo. E outra coisa, você não deveria sei lá, ter algum tipo de sensor que dissesse qual era o cara que eu me apaixonaria também quando você fizesse seu... sei lá, sua parada lá de amor?
            O Cupido arregalou os olhos por um momento e virou o rosto, escondendo sua expressão. Por um momento fiquei sem entender o que ele estava fazendo ou o que estava acontecendo... será que ele tinha visto algo, ou será...
            - Espera um pouco... – eu falei, começando a entender – você tem isso, não tem?
            - Não, não tenho! – o Cupido falou, rápido demais.
            - Ah, tem sim! E se você pode perceber isso, e se sabia que eu não ia me apaixonar por Daniel, então porque diabos você fez ele se apaixonar por mim????
            - Porque ele era o infeliz mais próximo desse cupido de meia tigela. – disse uma voz.
            Eu me virei e a Avril Lavigne estava atrás da gente.

domingo, 10 de julho de 2011

Não sei se vocês já fizeram isso,

mas correr por um shopping a procura de um garçom com olhos cor-de-rosa, com seu melhor amigo – que deveria se gay – gritando juras de amor atrás de você e com sua cabeça querendo explodir de tanta ressaca não é nada fácil.
            Principalmente se você está no Pátio Savassi.
            - Nina, espere!! – dizia Dan, enquanto eu passava por patricinhas e casaizinhos que olhavam para mim com espanto. – Meu amor, espere!
            Eu não estava correndo de verdade, claro que não. Eu apenas andava o mais rápido que meus óculos escuros mega-gigantes e meu medo dos seguranças me expulsarem me permitiam.
            - Nina!
            Mas o garçom estava correndo. Era a única explicação para o fato de, a cada esquina que eu virava ou andar que descia, seus cabelos loiros parecerem mais e mais distantes de mim, até finalmente chegar ao ponto dele desaparecer.
            Parei no primeiro andar, sentindo meu coração disparar e minha cabeça latejar continuamente. Um segundo depois, Dan me alcançou. Ele tomou minhas mãos nas suas e começou a declamar qualquer coisa sobre ‘destino’ e ‘amor eterno’, mas eu não prestava atenção. Minha cabeça estava naquele garçom esquisito, que eu ainda tentava achar entre a confusão de pessoas e vitrines.
            E naqueles olhos cor-de-rosa, do mesmo tom que os de Dan estavam agora.
O que aquilo significava?
            Provavelmente que eu estava louca, ou que o álcool ainda surtia efeito no meu corpo. Mas e se fosse outra coisa?
            Pensei naquela mancha em forma de coração nas sobrancelhas do garçom, e no choque elétrico que percorreu minhas veias no instante em que toquei sua mão.
Um instante depois de tocá-lo, Dan, o meu “amigo gay”, estava no chão fazendo juras de amor. Poderia ser muita paranóia da minha cabeça, mas não parecia haver outra explicação...
            Se eu estivesse certa, se desde ontem a noite eu estivesse certa em tudo, então eu acabara de conhecer o Cupido – e de perdê-lo no Pátio Savassi.
            E ele acabara de fazer meu amigo virar hétero. E se apaixonar por mim.
            Poderia ser até engraçado, se não fosse completamente assustador.
            - Minha Nina! Porque não me responde?
            - Oi? – disse, acordando dos meus pensamentos.
            - Me diz, Nina, Sol da minha vida. Você aceita?
            Olhei ao redor, para todas as pessoas que olhavam para nós como se fôssemos fugitivos do hospício.
            - Aceitar o quê?
            Dan grunhiu, frustrado, e então pareceu ter uma idéia brilhante. E quando eu dei por mim, Daniel Emmerson ficava de um joelho só na porta principal do Pátio Savassi, pegando minha mão direita, e dizendo, com a voz embargada de emoção: - Nina Marcela Carvalho Nunes, você aceita se casar comigo?
            Arregalei meus olhos enquanto o shopping inteiro sussurrava e ria da minha expressão.
            Ótimo. Meu primeiro pedido de casamento é feito por um cara que assina a revista Garanhões Sarados.
            - Daniel. Levante-se. Agora. – eu falei, meu rosto com toda certeza se transformando numa máscara avermelhada de vergonha.
            Ele me olhou confuso.
            - Isso é um sim?
            - Não isso não é um sim! – o puxei do chão e comecei a arrastá-lo para fora dali.  – Agora vamos embora Dan. Você não está sendo você mesmo.
            Mas não seria tão fácil assim.
            - É claro que estou sendo eu mesmo. – ele falou, parando no meio do caminho. Tentei puxá-lo de volta, mas eu não era páreo para a massa de dois metros e meio do meu amigo modelo.
            - É claro que você não está sendo você mesmo! Dan, acorda!
            Gritei, estalando os dedos sobre seus olhos rosa. Quem sabe ele não estava em algum tipo de transe e tudo que eu precisava fazer era acordá-lo?
            - Você é gay. Gay. Lembra? Seu namorado está numa turnê mundial. Você se vestiu de Lady Gaga no último Halloween, pelo amor de Deus. Você não me ama. Você só está confuso.
            Agora havia uma pequena platéia em volta de nós dois. Com toda certeza estávamos fazendo o maior sucesso, as pessoas até paravam suas compras para olhar para mim e Dan.
            - Não estou confuso. Eu tenho muita certeza do que estou dizendo, Nina. EU AMO VOCÊ.
            - Ok – disse, dando uma risada. – Se não acredita em mim, então abra sua carteira. Vamos, abra.
            Dan ergueu uma sobrancelha – parecendo um pouco com o Dan normal (exceto pelos olhos cor-de-rosa. E será que eu era a única a notar isso, aliás?) – mas fez o que pedi. E ele viu, enfiada dentro de uma das divisórias da carteira, a foto em que ele e seu namorado se beijavam loucamente, na festa após o Mtv Movie Awards que aconteceu na casa do Usher, há dois meses.
            Os olhos de Dan se arregalaram por um momento, virando rosa-shocking. Quando ele olhou de volta para mim, não sei por que, mas senti um leve calafrio.
            - Então é por isso que você não me aceita? Por causa de um beijo?
            - Acho que isso foi um pouco mais de um beijo. – falei.
            Primeiro eu pensei que finalmente tinha o convencido a parar com todo aquele lance de “Romeu e Julieta”. Daniel olhava da foto para mim, e de mim para a foto com uma expressão séria. E eu quase achei ter visto uma luz verde sobre o brilho cor-de-rosa em seus olhos.
            Mas então – claro – ele disse:
            - Se é por um beijo...
            E de repente, eu via Daniel Emmerson colocando suas mãos no meu rosto; e os lábios de Daniel Emmerson colando-se aos meus; e a língua de Daniel Emmerson juntando-se a minha. E então, na porta de um shopping de Belo Horizonte, Daniel Emmerson me beijou. Escandalosamente. Tipo novela das nove.
            Se foi estranho? Pra caralho. Quer dizer, eu já vi Dan beijando muitos caras antes. E já o vi beijando garotas também, mas mesmo assim.
            Se foi bom...?
            Bem, não vou mentir. Foi legalzinho, vai. Ok, foi bom. Tá bom, ta bom, foi ótimo ok, eu admito. Eu até coloquei minhas mãos em volta do seu pescoço.
            Hei, não olhe assim para mim! O cara era um modelo internacional. Ele não era gatinho não, ele era um deus grego. E admito que quando o conheci eu tinha uma grande queda por ele. Mas isso foi meio que superado depois de ver sua coleção de pôsteres do Leonardo DiCaprio, e de todas aquelas revistas dos Garanhões Sarados.
            Mas isso não apagava o fato de que ele era lindo. E nem de que ele beijava muito bem. Quer dizer, sei que é brega dizer isso, mas sua boca realmente parecia ser feita de veludo. E quanto a todo o resto... bem, vamos apenas dizer que não era só minha língua que estava curtindo aquele momento.
            Eu e Dan ficamos assim, nos beijando, e a coisa ficava cada vez melhor e melhor – se é que isso era possível. Não é a toa que o JB lá é amarradão pelo meu amigo. Provavelmente esse foi um dos melhores beijos que eu já tive... tirando um cara do Axé, que eu nem sei o nome... e teve outro também, que não tô me lembrando de onde que era... mas enfim, com toda certeza estava no top 5.
            E foi mais ou menos aí que eu comecei a me perguntar... qual era o problema? Quer dizer, sério. Qual era o problema?
            Tudo bem que era sacanagem porque o Dan estava namorando, e as pessoas certamente ficariam meio confusas. Mas e daí? Hoje em dia não existe mais essa coisa de homo e hétero... todo mundo gosta de todo mundo – não é mesmo?
            Então qual era o grande problema de eu simplesmente continuar beijando meu amigo ga... ex-gay, acho, e sei lá, ter um relacionamento com ele, talvez? Claro que eu não aceitaria o pedido de casamento, porque isso sim seria loucura. Mas quem sabe um namoro? Não seria algo ruim. Eu e Dan somos amigos há tanto tempo... e temos tanto em comum – e ok que ele é meio chato e super critico. Mas eu poderia relevar todas essas coisas... se ele apenas continuasse me beijando assim.
            Afinal, deve haver um motivo para o Cupido ter escolhido justamente o Dan para se apaixonar por mim. Talvez esse era o nosso destino. Talvez, desde o começo, nós éramos destinados a ficar juntos – tudo bem que eu que fiz o feitiço que teoricamente fez isso tudo acontecer mas...
            Eu só estou dizendo que isso tudo parecia certo, sabe? Principalmente se ele continuasse me beijando.
            Foi nesse exato momento que um flash branco explodiu no meu rosto, tão forte que se não fosse pelos óculos escuros, minha cabeça com toda certeza explodiria bem em cima do tapete da entrada do shopping. Eu me virei assustada e vi um homem baixo e gorducho segurando uma enorme câmera profissional, que disparava flash depois de flash, uma hora focando em Dan, outra hora em mim, e outra em nós dois.
            Um paparazzo. Eu descolei – com certa resistência, admito – minha boca da de Dan e me perguntei, ainda meio zonza, o quê um paparazzo estava fazendo tirando foto de mim e do meu futuro namorado?
            - Em, isso quer dizer que você e o JB terminaram?
            E foi aí que caiu a ficha.
            Ahhh é mesmo. Meu “futuro namorado” era uma celebridade. Que namorava outra celebridade.
            Que era um homem.
            Merda, o que diabos eu estava fazendo???
            Outro paparazzo apareceu aparentemente do nada, e esse tinha uma câmera e uma repórter que apontava o microfone para nós dois e fazias perguntas como: “Qual é seu nome?”, “Quantos anos você tem?”, “Como vocês se conheceram?”, “Isso quer dizer que você não é gay?”, e “Querida, o que exatamente você está vestindo?”.
            Ok, aquilo era o bastante. Enquanto eu ficava morta de vergonha e via mais pessoas e mais paparazzi se aproximando – e vendo Dan ocupado respondendo todas as perguntas e sorrindo para todas as fotos (era interessante saber que seu lado exibido não tinha sido afetado pelo feitiço) – eu comecei a me afastar discretamente, cobrindo meu rosto e caminhando para a calçada bem devagar. Não sei bem como, mas finalmente me vi atravessando rapidamente a rua, e me afastando o mais rápido possível daquele lugar. Por sorte, Dan não me seguiu. Acho que ele estava ocupado demais com seu outro amor – tão grande que nem o Cupido conseguira apagar: ele mesmo.
            Eu cheguei do outro lado da calçada, querendo simplesmente afundar minha cabeça no chão, quando trombei com alguma coisa grande e maciça, que me fez cair de bunda no chão na hora.
            Ergui meus olhos para a coisa que tinha me derrubado, me preparando para dizer todos os palavrões que me viessem à cabeça – minha bunda estava doendo à beça – quando percebi, sobre o sol da tarde, um cabelo loiro despenteado, um rosto lindo como um anjo, e um par de olhos pink.
            O Cupido, bem na minha frente.
            Eu não sabia exatamente o que dizer, mas com toda certeza não diria às palavras que saíram de sua boca um segundo depois:
            - Menina idiota.

quarta-feira, 6 de julho de 2011

.Quando minha salada

– ah, quem estou tentando enganar? – quando minha lasanha de quatro queijos fumegante chegou, acompanhada do enorme prato de Dan (sério, era tão grande que nem dá para descrever) eu estava quase terminando meu monólogo sobre tudo que acontecera comigo e com Lena.
            Ou pelo menos eu tentava terminar. Era meio difícil fazer isso quando a pessoa com quem você está conversando faz questão de te interromper a cada duas frases para rir, erguer a sobrancelha ou comentar algo bem maldoso. Não que eu estivesse esperando algo diferente de Dan. Era só que... era bem irritante.
            Especialmente porque eu estava desesperada. Quer dizer, eu não tinha idéia do que faria agora. Eu e Lena, após horas olhando para aquele cupido queimado, não conseguimos chegar a nenhuma solução. A não ser que chamar um exorcista fosse uma solução – idéia de Lena. O que, claro, não era.
            Então lá estava eu, tentando pedir conselho para meu único amigo cínico o suficiente para ter uma visão inteligente sobre isso tudo, e ele ficava tirando uma com minha cara?
            Mas, como eu mesma disse: eu sabia que ele faria isso.
            - E aqui estou eu, morta de fome, com um cupido queimado escondido no meu armário, uma melhor amiga traumatizada e a sensação e que a qualquer momento um padre vai começar a jogar água benta em cima de mim.
            Terminei de falar e dei uma bela garfada na lasanha, temendo a reação final de Dan.
            Lena tinha me dito que o melhor era não contar nada a ele. E no fundo, no fundo eu sabia que provavelmente ela estava certa – principalmente depois de todos os risinhos sarcásticos da parte dele – mas o que eu podia fazer? Eu precisava de ajuda! Nem que fosse de um mala como o Dan.
            - Ok... – ele disse, depois de um tempo me olhando. A luz do sol refletia seus olhos claros. – Deixa ver se eu entendi.
            Suspirei profundamente e concordei com a cabeça.
            - O motivo pelo qual você me ligou toda dramática, dizendo que precisava da minha ajuda, e que algo muito sério tinha acontecido... e que eu deveria vir almoçar mais cedo... era só por causa disso?
            Meu queixo caiu.
- Como assim, só por causa disso? É por causa de tudo isso! Você não ouviu nada do monólogo que eu acabei de dizer?
            - Sim, ouvi, infelizmente, aliás. Você precisa aprender como contar uma história sem fazer as pessoas quererem enfiar o saleiro goela abaixo. Mas enfim; a única coisa que quero saber é: porque você tá levando tudo isso tão a sério?
            Ergui a sobrancelha, indignada. O que ele esperava que eu fizesse? Fingisse que eu não encontrei a réplica de um anjinho gorducho queimado no meu quarto? Ou simplesmente esquecer que eu fiz uma conta no site da Madame Dite, para mais informações sobre feitiços de amor (já devia ter uma dúzias de e-mails na minha caixa de entrada)?
            Ah, quem sabe eu não deveria apagar da minha memória aquele cheiro insuportável de mel com vodka?
            - Como você quer que eu leve – falei, me irritando cada vez mais – isso então, Dan?
            - Como qualquer pessoa de ressaca levaria? Simplesmente ignorando tudo.
            - Há! Eu já te disse isso que eu “tenho que ignorar” é um boneco carbonizado que ainda está no meu quarto, e isso sem falar no fato de que, caso não tenha sacado, eu e Lena fizemos um feitiço. Não dá para simplesmente ignorar isso.
            - Claro que dá. – Dan falou, rindo um pouco. Olha, pode ser preconceito ou qualquer coisa assim da minha parte, mas não existe nada pior do que um cara gay, gato e inteligente viu. Eu queria estrangular aquele garoto!
            - Posso saber como?
            - Gata – falou ele, se aproximando de mim, como se contasse um segredo – quantas ressacas você acha que moi já passou nessa vida, hein? Quantas vezes você acha que eu acordei ao lado de pessoas/objetos/bonecos/líquidos/lugares/animais/e roupas desconhecidas e sem ter a menor idéia do por que elas estavam ali? E às vezes sem nem saber do porque eu estava ali. Você fala que fez um feitiço... eu já devo, sei lá, ter escrito um romance espírita quando bebia (porque agora você sabe né, eu e o J estamos nessa campanha antialcool, porque faz bem para a imagem dele e tudo mais) mas quem disse que eu liguei?
            - Por mais maravilhoso que seja saber da sua vida de orgias alcoólicas por aí, isso é diferente. Nem eu nem Lena fazemos esse tipo de coisa toda hora. E ao contrário do que aparentemente você pensa, nós nos importamos com as coisas que fazemos quando estamos bêbadas... principalmente se elas envolverem um feitiço.
            - Ah, fala sério, você tá dando muita importância para isso tudo. Então você disse umas palavras mágicas – disse Dan, mexendo os dedos e engrossando a voz – para um pote com mel e um boneco dentro. Então você botou fogo nisso tudo e sentiu “uma coisa dentro do seu peito”. E daí? Não é como se isso fosse funcionar de verdade, você sabe.
            - Funcionou com minha prima. E com uma amiga minha.
            - Hum! Coincidência, fofa.
            - Coincidência? Então você tá querendo me dizer que não há nem a menor chance, nem a mais remota chance de um cara aparecer agora na nossa mesa, olhar nos meus olhos e dizer que me ama mais do que qualquer coisa nesse mundo, e que não faz a menor idéia do que porque disso?
            - Sim. – Dan falou, dando de ombros. –Ao menos que o cara estivesse falando comigo. Aí, é simplesmente compreensível.
            - Urgh!! Não acredito que perdi meu tempo vindo aqui conversar com você!
            Levantei-me da mesa, mesmo que meu prato ainda estivesse pela metade. Eu era muito retardada. Como achei que poderia ter aquela conversa com o Dan? Com o Dan?? De todas as pessoas, ele era o único que mais me julgaria por isso tudo.
            Eu não estava apenas irritada. Eu estava puta da vida. Quer dizer, já não basta eu estar de ressaca, estar comendo feito uma porca, e estar com uma macumba sinistra escondida no meu armário, ainda precisava ficar ouvindo um modelo metido me dizer que nenhum cara, nem na mais remota possibilidade, vai se apaixonar por mim?! Tudo tem limite né.
            Puxei a cadeira para trás, e peguei minha bolsa, olhando furiosa para ele.
            - Nina, onde você vai? – ele perguntou, franzindo a testa.
            - Onde você acha que eu vou? Eu vou sair daqui.
            Dan se levantou também, querendo ensaiar desculpas. Mas o semblante cético e zombador ainda estampava seu rosto.
            - Que isso Nini, eu tava só brincando.
            - Ah, é?, mas eu não estava. Eu realmente não sei o que fazer, Dan, e realmente esperava que você pudesse, não sei, me ajudar de alguma forma. Mas como eu sou besta em achar isso, não é mesmo?
            Comecei a sair da mesa, indo para a porta do restaurante.
            - Nina!
            Nesse ponto eu estava apenas ignorando Dan. Eu tentava ir embora, mas minha bolsa ficava prendendo em todas as cadeiras atrás de mim.
            - Vamos lá amor, me desculpa, vai? Dá uma chance pro seu Danzinho aqui? Pleaase...
            Eu por fim puxei a bolsa da última cadeira, e estava a ponto de sair dali ignorando meu amigo idiota completamente, quando alguém, aparentemente saído do nada, trombou comigo, me derrubando no chão.ima cadeira, e estava a ponto de sair dali ignorando meu amigo completamente, quando alguscondida no meu arm
            No momento da queda, por algum motivo que não sei explicar, eu consegui um breve relance dos olhos da pessoa que havia me derrubado. E, talvez tenha sido a queda, ou a luz do restaurante ou algo do tipo, mas... aqueles olhos eram... cor-de-rosa???
            Se eram ou não, não deu para saber ao certo. Pois, um segundo depois, eu sentava com a bunda no chão frio do restaurante.
            - Ai! – disse, mais pelo susto que qualquer outra coisa.
            - Me desculpa! – falou o... garçom, percebi, vendo seu uniforme. Ele carregava uma bandeja vazia, que, por algum motivo estranho, não havia desgrudado de sua mão, mesmo depois de cair.
            Todos do restaurante olhavam para mim. Era uma boa coisa meus óculos serem assim tão grandes, pois assim a visão completamente vermelha do meu rosto não era tão visível e humilhante quanto poderia ser.
            - Ah...  não tem... problema. – eu falei, tentando ignorar os olhares das pessoas e prestando atenção no rosto do garoto.
            O tal garçom era extremamente bonito. Não tão bonito quanto Dan, era verdade, mas ainda assim... era bem bonito. Seu cabelo era loiro claro, e era completamente despenteado – não do jeito despenteado-arrumado como muitos garotos usam – e sim, realmente bagunçado, de um jeito que deixava claro que ele realmente não havia encostado a mão no cabelo desde que acordara.
            E seu rosto era angular e diferente, com pequenas pintinhas sobre o nariz. Havia uma mancha curiosa sobre sua sobrancelha. Uma mancha com a forma exata de um coração.
- Eu realmente sinto muito. – ele falava. – Sou muito desastrado.
Olhei bem em seus olhos, esperando ver aquele cor-de-rosa brilhante que tinha avistado antes... mas nada. Ele tinha olhos castanhos simples como os meus.
            Que coisa mais estranha.
            - Ah, não tem... problema. – eu repeti, me sentindo uma tonta.
            O garçom se levantou, e olhou para mim.
            Bem, aquilo era mais estranho. O cara ficou simplesmente olhando para mim, como se estivesse esperando algo. Depois de um tempo sem saber bem o que fazer – e de perceber que eu estava ali, sentada no chão do restaurante – eu estiquei minha mão para o garoto esquisito.
            O garoto sorriu. Como se aprovasse o que eu acabara de fazer.
            (eu já disse que isso tudo era estranho?)
            Ele aproximou de mim e pegou minha mão... e no mesmo instante eu afastei a minha rapidamente. Isso porque um choque elétrico estalou em meus dedos, voando do meu braço para meu corpo e afundando dentro do meu coração. A exata sensação que eu tive ao mergulhar o cupido na vasilha com o mel e as flores...
            - Está tudo bem. – disse o garçom, ainda sorrindo. Ele pegou meu braço e me puxou, fazendo com que eu ficasse de pé. – Pronto, você parece estar bem agora. Vou indo, então. Te vejo... por aí.
            E com isso, o garoto colocou a bandeja numa mesa, olhou mais uma vez para mim, e, ainda sorrindo misteriosamente, saiu do restaurante. Simplesmente assim.
            Ok, isso tudo era esquisito, esquisito e es.qui.si.to!
            Eu olhei para as pessoas a minha volta, procurando um olhar tão assustado quanto o meu, mas ninguém prestava mais atenção. Olhei meus dedos, lembrando daquela sensação tão estranha, de como se um raio me atingisse, e me virei para Dan, já esquecida da nossa discussão.
            - Você acredita nisso que acabou de acontecer? – falei, me lembrando dos olhos do garçom parecerem ser cor-de-rosa e da mancha em forma de coração em sua testa.
            - Ahhh...
            - E os olhos dele... parecia que...
            - Ahh...
            - Será que eu imaginei tudo aquilo?
            - Ah...
            - Dan, você está me ouvindo?!
            Finalmente olhei para Dan... que estava me olhando fixamente.
            Sua boca estava aberta, seus braços tremiam levemente e seus olhos...
            Os olhos de Dan estavam cor-de-rosa.
            - Dan!! O que é...
            - Nina! – ele disse, quase gritando. Sua voz estava esquisita. Meio que não parecia a voz dele.
            - Ni... Nina.
            Aproximei-me dele, olhando seus olhos rosa brilharem para mim. Será que aquilo estava acontecendo mesmo? Ou será que eu havia enlouquecido de vez?
            - Dan, você está bem?
            - Nina! – Dan, olhou no fundo dos meus olhos, e juntou minhas mãos às suas. – Nina, eu... eu...
            - Você...? – eu estava ficando assustada. Dan parecia estar sofrendo um ataque.
            - Nina eu te amo! Nina eu te amo tanto! Nina, eu te amo mais do que qualquer coisa nesse mundo! Nina... Ah, Nina! Você é o amor da minha vida!!
            Nesse ponto ele estava gritando, e todo o restaurante olhava para mim mais uma vez.
            - Dan! Pare com isso, idiota! Você me assustou, sabia.
            Eu deveria ter desconfiado. Era tudo mais uma brincadeira malvada de Dan.
            - Nina, não fale assim comigo, por favor. Nina, eu te amo muito!
            Empurrei suas mãos para longe e peguei minha bolsa, que ainda estava no chão. Não acreditava que Dan ainda estava me zoando depois da nossa briga. Como ele era idiota!
            - Ni...
            - Vai se ferrar, Daniel. – falei, me virando para sair dali, mais irritada do que nunca.
            Mas novamente algo me impediu. Eu parei no ato, antes de dar o próximo passo... porque Dan estava aos meus pés, segurando minha perna.
            Eu vou dizer de novo: Dan estava aos meus pés. Seria até engraçado... se não fosse tão bizarro e completamente sinistro.
            - Dan, o que você está fazendo?!
            - Por favor não me deixe Nina! Aah, Nina, eu te adoro, eu te amo mais do que qualquer outra coisa! Por favor, não vá! Por favor Nina...
            Eu estava a ponto de dar um belo pontapé naquele modelo de cuecas de uma figa... quando percebi que Dan estava chorando. Estava realmente chorando.
            E seus olhos ainda estavam cor-de-rosa, e ainda mais rosas, graças às lágrimas.
            - Nina, por favor! Eu descobri meus sentimentos por você, agora não me deixe! Eu te amo mais que minha vida, eu amo você mais do que qualquer amor desse mundo! Por favor, por favor, diga-me que me ama também!
            Eu agachei assustada e disse: - Dan... você é gay, se lembra? O que está dizendo?
            - Não, eu estava cego antes, meu amor! Por favor, perdoe meus atos. Eu te amo, agora eu sei disso! EU TE AMO!
            Não dá para explicar como eu estava naquele momento. Não dava para decidir; se eu ficava morta de vergonha, por aquele show bem no meio de um restaurante do Pátio Savassi, se ficava assustada, por meu amigo estar chorando, aos meus pés, com os olhos cor-de-rosa, e dizendo que me amava – muito embora ele seja gay – ou se ficava lisonjeada. Porque, venhamos e convenhamos, o Dan era muito, muito gato.
            - Nina, me diga, vamos! Diga-me! Você me ama tanto quanto eu te amo? Por favor, me fale! Eu te amo, estou sobre seu feitiço Nina! Por favor...
            Então eu me liguei.
            Os olhos cor-de-rosa, as declarações totalmente piegas, o garçom esquisito, a mancha em forma de coração, o choque elétrico...
            Dan estava certo. Ele estava sobre meu feitiço.
            Ou melhor, sobre o feitiço do cupido.
            Puta que pariu.

segunda-feira, 27 de junho de 2011

Munida com meus óculos escuros tamanho gigante,

minha roupa pós-ressaca (calças folgadonas e moletom da Gap) e dois comprimidos pra dor de cabeça, eu andava pelo Pátio Savassi tentando evitar cada reflexo que tremulava nas vitrines, me perguntando por que afinal eu havia concordado em ir almoçar com o Dan.
                Eu nem estava com tanta fome assim – tudo bem eu estava com um pouco de fome.
                Tá bom, tá bom, minha barriga roncava tão alto que algumas pessoas olhavam para mim assustadas. Satisfeitos agora?
                Mas enfim. Enquanto eu fazia um enorme esforço para não dar meia volta e ir para casa – devo admitir que só não o fiz por causa do almoço (eu disse que como muito quando tô de ressaca) – fui pensando na melhor maneira que eu poderia contar tudo para o Dan sem ele tentar me internar ou simplesmente me ignorar completamente.
                Conhecendo ele, assim que acabasse de ouvir minha história ele soltaria uma sonora gargalhada e faria algum comentário maldoso a respeito de Lena e eu termos esquecido o dia dos namorados, e do feitiço vir de uma mulher chamada Madame Dite.
                Aliás, conhecendo meu amigo, ele daria a risada e faria o comentário maldoso no segundo em que visse o que eu estava vestindo – o que não facilitaria em nada a tarefa de contar os eventos de ontem para ele.
                Ah, vocês estão se perguntando quem afinal é esse tal de Dan? Ok, deixa eu fazer um parêntesis aqui.
                Vamos ver... tá bom, imaginem um gringo, com olhos verdes escuros, a pele lisa como de um bebê e um cabelo perfeito, que não é nem loiro nem castanho. Imaginaram? Ok, agora pensem nesse mesmo cara, só que sendo um modelo que já fez campanhas para tipo, Calvin Klein – e de cueca –, que já ganhou um milhão de troféus em tipo um milhão de esportes, e que ainda por cima nunca tirou uma nota abaixo da média nenhuma vez na vida.
                Ah, e imaginem ele fazendo a ponta como vampiro num filme nada famoso e nada idolatrado por milhares de garotinhas histéricas em todo mundo, e que por acaso se chama Crepúsculo...
                Imaginaram? Ótimo.
                Bem, esse é Daniel Emmerson, ou Em, como todo mundo o chama, ou Dan, como só eu o chamo. Ele é, bem, meu melhor amigo, ou tanto quanto um cara pode ser melhor amigo de uma garota. Tudo bem que o Dan não é exatamente alguém que podemos chamar de “cara” – apesar de ser como um na maioria das coisas.
                Por quê? Bem... digamos que atualmente ele anda tendo um relacionamento bem intenso com um certo cara... e que com relacionamento eu queira dizer namoro. E que com cara eu queira falar sobre o cantor/ídolo teen absoluto que anda na cabeça de ainda mais milhares de garotinhas do mundo inteiro e que apenas dois meses atrás revelou gostar de meninos, sendo uma das fofocas mais bombásticas de anos.
                Ou resumindo: Dan é gay. Ou melhor, ele é bi. Mas como anda namorando mais homens do que mulheres ultimamente, vamos dizer que ele é gay, para simplificar.
                Ainda assim é esquisito o chamar de gay, porque ele é tão... homem na maioria das coisas. Quer dizer, o quarto dele parece um chiqueiro, ele cospe no chão e arrota bem na nossa cara... ele odeia qualquer filme de romance é viciado em futebol e fala palavrão a cada dois segundos – ah, eu irei dar uma cortada quando ele falar uns muito cabeludos, tá bom? E enfim. Ele não é aquele estereótipo que as pessoas fazem de meninos gays, entende?
                O que me faz pensar sempre em como tenho orgulho dele. Se Dan é alguma coisa, é um exemplo sobre como não podemos julgar as pessoas apenas por parte de algo que elas são.
                Foi com esse pensamento tão doce a respeito de Dan que eu o avistei, sentado num dos restaurantes do Pátio, usando um óculos aviador e parecendo acabar de sair de uma campainha de roupas carésimas – ah, e ele só usava uma blusa branca e uma calça jeans.
                No momento em que me viu ele disse:
                - Ok, que tipo de roupa é essa? – e soltou uma risada malévola.
                Sabia.