segunda-feira, 15 de agosto de 2011

Ok, não era a Avril Lavigne


Mas era quase idêntica. A garota, que deveria ter seus vinte e poucos anos, usava um All Star enorme, que vinha até o joelho, e vestia uma saia preta plissada, com uma camiseta escrito “Love is the worst” em letras prateadas. Seu cabelo era exatamente igual ao da Avril – longo e castanho com as pontas pintadas de preto.
            E ela era muito bonita também. Todos os caras por quem passamos na rua olharam para ela, admirando suas pernas ou encarando seu decote. O único cara que parecia estar nem um pouco a fim dela naquele momento era o dois metros e meio de fúria que nos acompanhou, batendo os pés, por toda Savassi até chegar ao centro.
            Aliás, se havia alguém que queria fazer qualquer coisa, menos estar perto da gêmea perdida de Avril Lavigne agora era o Cupido.
            Ou melhor, Eros. Esse era o nome dele.
            - É o segundo prédio à esquerda. – disse Lea (e era esse o seu nome, não... sei lá, Abril Lavigne, como eu tinha imaginado) apontando um prédio completamente normal na Rua da Bahia, que ficava ao lado de uma farmácia.
            Eu deveria ter passado por aquele prédio um milhão de vezes antes, e nunca na minha vida teria imaginado que era lá que o Serviço de Atendimento, Consultoria e Prestação de Amor Romântico por Cupido (Filiação Sul-Americana) ficava. Aliás, acho que eu nunca nem tinha reparado nesse prédio até ter a sósia de uma cantora e um cupido furioso me levando até a portaria, que era bem pequena e bem simples.
            - Boa tarde. – disse o porteiro, quando chegamos. Ele também parecia bem normal, usando uma camisa social amassada, e uma gravata suja de tinta.
            - Olá. Décimo segundo, por favor.
            - Claro. – ele disse. – Identificação?
            Lea mexeu em sua bolsa preta com correntes e bottons e tirou de lá uma carteirinha de plástico, parecida com aquelas que te dão quando você entra num clube. O porteiro examinou a carteirinha e digitou alguns números no computador, provavelmente identificando Lea no sistema.
            - Pronto. – ele falou, um instante depois. – Pode entrar senhorita Lavínia. Uma boa tarde.
            - Obrigada.
            Pausa. O sobrenome dela era Lavínia?? Quase como Lavigne?? Rá! Eu sabia que ela teria um nome parecido com o da Avril. Mas vamos combinar né, Lea Lavínia não é lá uma combinação muito boa.
Mas do que eu to falando? Meu nome é Nina Nunes.
            É eu sei. Bem brega, não é mesmo? Sempre falo que meus pais me devem uma, por causa desse sobrenome tosco.
            Enfim. Seguimos até o elevador, eu reparando como a recepção do prédio era exatamente igual à de todos os prédios do centro: sombria, com sofás de couro meio velhos e mobílias escuras, tudo cheirando a Pinho Sol.
            O elevador também não fugia ao padrão. Era apertado, o espelho atrás era sujo, a câmera de segurança não funcionava realmente, e ele demorou umas duas horas para chegar.
            Quando finalmente paramos no décimo segundo andar, Lea e Eros haviam começado outra briga – das inúmeras que tiveram no caminho – e meu coração estava ligeiramente mais acelerado pelas coisas que eu estava a ponto de ver.
            Quer dizer, eu estava prestes a entrar num lugar meio que mágico, certo? Era lá que todos os cupidos da América Latina trabalhavam, onde funcionava o poder que fazia com que casais se beijassem nas praças, com que noivos trocassem alianças nas igrejas, com que velhinhos dividissem sopas de ervilha em asilos.
            Deveria ser um lugar emocionante, romântico, fantástico e...
            - Décimo segundo andar – anunciou uma voz eletrônica.
            ... cinza.
            Quando as portas prateadas do elevador se abriram, nós três entramos num grande escritório padrão, completamente cinza, com cubículos minúsculos cinza, cadeiras cinza, mesas cinza, paredes cinza (eram brancas, mas estavam escurecidas de sujeira e mofo) e pessoas vestidas, em sua maioria, de cinza.
            Se não fosse pelo céu azul, brilhando timidamente das janelas listradas por venezianas, eu pensaria que o mundo todo tinha se afundando num grande pote de tinta... cinza.
            - É... aqui?! – eu falei, sem conseguir disfarçar a decepção.
            - O que você esperava? – disse Eros, parando de discutir com Lea para olhar feio pra mim – Um lugar fofo e cor-de-rosa, com coraçõezinhos, arco-íris e anjinhos alados flutuando por aí??
            - Tecnicamente Eros, todos os anjos são alados. – era Lea, que começara a andar pelo longo corredor de cubículos, todos eles contendo uma pessoa-cinza aparentemente desprovida de vida e que teclava em computadores velhos e barulhentos, que provavelmente ainda usavam internet discada. – E quanto à decoração... admito que não é lá muito convidativa, mas é meio que esse o objetivo.
            - Como assim?
            - Bem... quando se faz o que fazemos, quando seu trabalho é baseado no amor e na atração, e você vive nesse mundo 24 por dia, quanto maior for a distância sua de todo esse universo meloso e cor-de-rosa dos namorados, melhor e mais rápido é o seu desempenho. É como contratar um alcoólatra para trabalhar numa adega. Não dá certo.
            - Humm... – eu tinha entendido, embora ainda achasse que uma corzinha ali e uma faxinazinha acolá não fosse uma má idéia.
            Chegamos ao final do corredor e viramos a direita, onde havia uma série de portas azul-acinzentadas que pareciam a ponto de se desfazer a qualquer momento. Continuamos andando até chegar à última porta, que de todas era a mais inteirinha.
            Era de madeira escura e tinha uma pequena placa de latão pregada no meio, que dizia em grandes letras de fôrma: Chefe do Departamento de Controle Administrativo Amoroso.
            - Chegamos! – falou Lea, parecendo meio que animada.
            - Urg... você é uma vaca, Lea! – já Eros soava exatamente o contrário. – Um dia ainda vai me pagar por isso.
            - Ei, não odeie o jogador, odeie o jogo.
            - Eu odeio o jogo Lea. Por isso que fiz o que fiz.
            - Bem, você sabe que meu IPR iria despencar se eu deixasse você sair dessa Eros. Realmente não é nada pessoal.
            - Não me venha com essa! Eles não iam descobrir nada, não tinha porque você...
            - Eles não iam descobrir nada?! Nós estávamos trabalhando na mesma área Eros, com duas civis relacionadas, num caso de pedido requisitado não convencional tipo C. Assim que você quebrasse o Arco todo o Departamento de Controle iria direto pra cima de mim. Admita, Eros, se fosse estivesse no meu lugar, faria a mesma coisa.
            Eros chegou bem perto de Lea, e olhou no fundo de seus olhos cor-de-rosa (sim, essa também era a cor dos olhos dela – juro que deve ter uma promoção dessas lentes em algum lugar... mas é mais provável que o negócio dos olhos tenha alguma coisa a ver com todo o lance de cupido). Ele falou, com a voz séria:
            - Se eu estivesse no seu lugar, eu já não estaria aqui há muito tempo.
            Lea estreitou os olhos e os dois se encararam longamente, parecendo ambos bastante sérios.
            Eu simplesmente fiquei ali parada já que, vamos admitir, eu estava boiando em toda essa história há muito tempo.
E quando parecia que eles ficariam ali para sempre, de repente, a porta se abriu.
            E o Latino ergueu uma sobrancelha pra gente.
            - Então nosso pequeno infrator chegou. – ele disse, seu brinco de diamante brilhando na orelha esquerda.

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