terça-feira, 2 de agosto de 2011

Eu simplesmente fiquei lá

Olhando para o Cupido com cara de retardada.
            - Levanta. – ele disse, com a cara fechada.
            Eu reparei, mais uma vez, em seus grandes e profundos olhos rosa, e na pequena mancha de coração acima da sobrancelha.  E foi só o que consegui fazer. Ficar encarando.
            Ei, que culpa eu tenho? Lá estava eu, fugindo do meu melhor amigo gay, ou melhor, fugindo do meu melhor amigo ex-gay, que agora era hétero graças, aparentemente, a um feitiço que eu mesma fiz, e que me beijou bem na porta do Pátio Savassi, quando bum! um cara alto e loiro que antes estava vestido de garçom – mas agora, não pude deixar de reparar, usava calça jeans e blusa de malha – e que eu tinha quase certeza absoluta que era o próprio Cupido – ou isso ou lentes rosa estavam na moda – me faz cair no chão pela segunda vez em menos de meia hora.
            Ah, e isso sem falar no fato de que sim, ainda estou de ressaca. Por mais que o beijo de Dan, odeio admitir, tenha me feito acordar um pouquinho.
            Tudo aquilo estava começando a me afetar. Quer dizer, é muita coisa pra uma garota só processar. Então não me culpem se a única coisa que eu consegui fazer, enquanto aquele garoto enorme e bonito tentava me levantar, foi simplesmente encarar seus olhos cor-de-rosa.
            - Eêi! Planeta das Retardadas! Acorde!
            De repente me vi sendo erguida do chão por dois grandes e – uau, bem musculosos – braços que me colocaram de pé novamente. O garçom/criaturaatéentãomitológicaquefaziacasaisseapaixonaremeaparentementegaysviraremheterosdenovo(a Igreja Católica devia contratar esse cara) se afastou e me encarou com as sobrancelhas franzidas.E eu, ainda paralisada, apenas o olhei de volta.
            - Nossa, deveria ser proibido que garotas como você usassem o Serviço. Argh, vamos lá então.
            O Cupido suspirou dramaticamente e passou um braço em volta de meus ombros, me fazendo andar junto a ele. Demos alguns passos juntos, quando de repente, eu acordei.
            - Espera, onde... onde estamos indo?
            - Onde acha que estamos indo Cabeça?
            Ele apontou para o enorme tumulto que tinha se formado na porta do Pátio, onde, no meio de câmeras fotográficas de alta resolução, Dan Emmerson dava intermináveis entrevistas.
            Meu pé se fincou no chão no mesmo instante.
            - O que foi? – O Cupido olhou pra mim com impaciência. – Vamos logo, eu não tenho o dia inteiro, tenho muito trabalho a fazer!
            - Olha... eu não sei se você é quem eu penso que é, quer dizer, você... – olhei  mais uma vez para a pinta de coração – você é mesmo...?
            - Argh – ele deu mais um suspiro. – Sim, eu sou. Sou o Cupido, tá legal? Ou melhor, um cupido. Agora, vamos?
            Ele fez força para eu continuar andando, mas eu permaneci no mesmo lugar.
            - Olha... não vai rolar.
            - Ãnh?
            - Desculpa, mas eu não posso voltar. Quem está naquele mar de fotógrafos ali é o...
            - O amor da sua vida, sim. Por isso mesmo que temos que ir.
            Dessa vez, o Cupido fez força mesmo para frente, e eu nada pude fazer a não ser andar, me aproximando cada vez mais do shopping.
            - Ei, não você não entende. Ele não é o amor da minha vida, ele é meu melhor amigo!
            - Ok, e daí? Já fiz amigos se apaixonarem tantas vezes que já até perdi a conta. Bem, isso não é realmente verdade, porque a conta fica gravada no... ah, esquece. Mas não se preocupe. Mesmo sendo seu melhor amigo, esse cara está te amando.
            - É esse o problema – eu dizia, enquanto esperávamos o sinal abrir. – Ele não é um cara.
            - Posso te assegurar que ele é um cara. Acho que chequei isso antes de apaixoná-lo.
            O sinal abriu e o Cupido me arrastou pela rua, mesmo que eu usasse praticamente toda minha força para ficar no lugar. Seu braço me apertava tão forte que eu estava perdendo o fôlego – era de se esperar que as pessoas achassem estranho ou no mínimo curioso que havia um cara praticamente puxando uma garota para o meio da rua, mas ninguém parecia notar. Tipo, ninguém nem ao menos olhava para nós.
            Será que... não, com certeza isso não tinha nada a ver com o Cupido.
            Certo?
            - Não, não é isso que eu quis dizer. – continuei, enquanto nos aproximávamos perigosamente da multidão, que agora incluía várias pessoas, além dos paparazzi. – O que eu quis dizer é que ele é gay. Entendeu? Gosta de meninos.
            O Cupido me olhou com os olhos arregalados.  E depois deu uma bela gargalhada.
            - Essa foi boa Cabeça. Mas posso lhe garantir que ele não é gay.
            Foi minha vez de rir.
            - E eu posso te garantir que ele é. – convenientemente, passamos na mesma hora por uma mulher que segurava uma revista de fofocas cuja capa estampava Dan e o cantor teen JB se beijando. Eu apontei para a revista enquanto falava “te garantir”.
            O Cupido estreitou os olhos para a revista, e pareceu pensar no assunto por um tempo. Mas depois deu de ombros e continuou me arrastando.
            - Bem, seja lá o que ele era, já não é mais. Agora ele é todo seu, garota.
            Finalmente chegamos ao meio da confusão de fotógrafos e gente curiosa, todos olhando e prestando atenção no que Dan Emmerson estava dizendo. Eu o observei sorrir e responder com calma as perguntas que agora um repórter que segurava um gravador fazia. Graças a Deus, Dan não me viu. Aliás, pensando bem, ele nem reparara que eu havia saído.
            - Uau, seu namorado gosta mesmo de atenção hein. – disse o Cupido, parecendo bastante impressionado. – Ainda nem reparou que você se mandou não é mesmo? Bem, melhor para nós. Certo, agora vá andando.
            O Cupido me deu um empurrãozinho em direção a multidão.
            Eu olhei para ele, chocada.
            - Vamos, vamos. Boa menina, vá.
            Ok, o que era aquilo? Ele estava insinuando que eu era um cão ou algo assim? Ergui uma sobrancelha.
            - Escuta, eu acho que você não entendeu.
            - Ah, eu não entendi?
            - Uhum. Eu não vou para lá.
            - Ah, mas você vai sim.
            - Não, eu não vou não. – cruzei os braços. – E você não pode me obrigar. O que vai fazer, me arrastar pelos cabelos até uma multidão cheia de jornalistas? Acho que as pessoas iam achar isso um pouco estranho.
            - Eu estou pouco me lixando pros jornalistas. Você vai andar até ali, e vai ficar ao lado do seu namorado e vai continuar durante todo o dia. Estou claro? Eu não estou pedindo. É uma ordem.
            A medida que falava, os olhos do Cupido adquiriram um tom de rosa escuro e profundo, quase vinho. Ele parecia bem nervoso.
            Mas quer saber? Eu também estava.
            Primeira coisa: aquilo era uma ordem?? Quem diabos ele pensava que era? Meu pai?! E depois, eu não podia mesmo voltar para o lado de Dan. Quer dizer, o que ele esperava? Que eu simplesmente esquecesse o fato de que ele era meu melhor amigo homossexual, que estava por o acaso comprometido e que – vocês viram ele falando – era um chato critico e sarcástico?
            E ok, ok, ele me beijou e eu estava curtindo, admito. Mas isso não quer dizer que é certo. Aliás, quer dizer o contrário. Se eu voltasse para aquela roda de paparazzi e Dan me beijasse outra vez... bem, eu não sei o que aconteceria. Quer dizer, ali de pé, olhando para um cupido zangado eu até poderia dizer que eu viraria meu rosto e/ou me afastaria caso ele tentasse algo.
            Mas lá, nos braços fortes e quentes de Daniel, vendo seus lábios grandes e macios se aproximando...
            Ai, meu Deus, isso tinha que parar já! Quer dizer, ele não podia simplesmente me obrigar a ficar com ele... não era mais para eu escolher com quem eu queria ficar? Ou sei lá, no mínimo que ele perguntasse antes se eu preferia morenos ou loiros, altos ou baixos, ou sei lá Edward ou Jacob – Jacob, obviamente. Palitos com calça skinny e cabelo ensebado não fazem meu tipo – ou pelo menos avisasse o que ia acontecer, antes de simplesmente fazer meu melhor amigo se apaixonar por mim.
            Afinal, eu meio que o havia... contratado, não é mesmo? Sim, acho que sim. Ele estava trabalhando para mim. Ou algo perto disso, pelo menos.
            Então não era bem eu que deveria estar seguindo ordens, certo?
            - Escuta, não sei bem quem você pensa que é – falei – mas você não manda em mim. E quer saber, é muito pelo contrário. Eu mando em você.
            O Cupido deu uma risada irônica.
            - Você o que?! Você manda em mim??! Essa foi muito boa. Olha, eu achei você meio lesada desde o começo, mas agora... você realmente se superou!
            - Será mesmo? – disse – mas quem fez o feitiço que te chamou...
            - Argh. Não é feitiço Cabeça. O nome é evocação. Onde acha que nós estamos, num dos livros de Harry Potter?
            - Bem, seja lá qual for o nome, até onde eu sei você deve me ajudar a encontrar um amor, certo? E quer saber? Eu não estou apaixonada pelo Dan.
            - Sério? Não foi o que aquele beijo parecia dizer.
            - Arrrg! Olha, admito que eu possa ter gostado do beijo dele... e vamos admitir, você já olhou para ele? O Dan é muito gato, e eu sempre soube disso. Mas isso não quer dizer que eu ame ele!
            - Bem, agora você simplesmente vai ter que começar a amar!
            Olha, tudo bem que eu deveria meio que estar agradecida, porque afinal, não é todo dia que alguém chega e faz uma pessoa cair de amores por você. Mas aquele Cupido estava me estressando cada vez mais. Quer dizer não era justo! Minha única oportunidade de encontrar o cara perfeito vai ser estragada pelo meu amigo gay que só vai saber criticar minhas escolhas de roupa pelo resto da minha vida?
            Eu acho que não.
            - O que?! Você por acaso está se ouvindo? Isso é ridículo. Eu não fiz esse feitiço para acabar com meu melhor amigo. E outra coisa, você não deveria sei lá, ter algum tipo de sensor que dissesse qual era o cara que eu me apaixonaria também quando você fizesse seu... sei lá, sua parada lá de amor?
            O Cupido arregalou os olhos por um momento e virou o rosto, escondendo sua expressão. Por um momento fiquei sem entender o que ele estava fazendo ou o que estava acontecendo... será que ele tinha visto algo, ou será...
            - Espera um pouco... – eu falei, começando a entender – você tem isso, não tem?
            - Não, não tenho! – o Cupido falou, rápido demais.
            - Ah, tem sim! E se você pode perceber isso, e se sabia que eu não ia me apaixonar por Daniel, então porque diabos você fez ele se apaixonar por mim????
            - Porque ele era o infeliz mais próximo desse cupido de meia tigela. – disse uma voz.
            Eu me virei e a Avril Lavigne estava atrás da gente.

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