quarta-feira, 6 de julho de 2011

.Quando minha salada

– ah, quem estou tentando enganar? – quando minha lasanha de quatro queijos fumegante chegou, acompanhada do enorme prato de Dan (sério, era tão grande que nem dá para descrever) eu estava quase terminando meu monólogo sobre tudo que acontecera comigo e com Lena.
            Ou pelo menos eu tentava terminar. Era meio difícil fazer isso quando a pessoa com quem você está conversando faz questão de te interromper a cada duas frases para rir, erguer a sobrancelha ou comentar algo bem maldoso. Não que eu estivesse esperando algo diferente de Dan. Era só que... era bem irritante.
            Especialmente porque eu estava desesperada. Quer dizer, eu não tinha idéia do que faria agora. Eu e Lena, após horas olhando para aquele cupido queimado, não conseguimos chegar a nenhuma solução. A não ser que chamar um exorcista fosse uma solução – idéia de Lena. O que, claro, não era.
            Então lá estava eu, tentando pedir conselho para meu único amigo cínico o suficiente para ter uma visão inteligente sobre isso tudo, e ele ficava tirando uma com minha cara?
            Mas, como eu mesma disse: eu sabia que ele faria isso.
            - E aqui estou eu, morta de fome, com um cupido queimado escondido no meu armário, uma melhor amiga traumatizada e a sensação e que a qualquer momento um padre vai começar a jogar água benta em cima de mim.
            Terminei de falar e dei uma bela garfada na lasanha, temendo a reação final de Dan.
            Lena tinha me dito que o melhor era não contar nada a ele. E no fundo, no fundo eu sabia que provavelmente ela estava certa – principalmente depois de todos os risinhos sarcásticos da parte dele – mas o que eu podia fazer? Eu precisava de ajuda! Nem que fosse de um mala como o Dan.
            - Ok... – ele disse, depois de um tempo me olhando. A luz do sol refletia seus olhos claros. – Deixa ver se eu entendi.
            Suspirei profundamente e concordei com a cabeça.
            - O motivo pelo qual você me ligou toda dramática, dizendo que precisava da minha ajuda, e que algo muito sério tinha acontecido... e que eu deveria vir almoçar mais cedo... era só por causa disso?
            Meu queixo caiu.
- Como assim, só por causa disso? É por causa de tudo isso! Você não ouviu nada do monólogo que eu acabei de dizer?
            - Sim, ouvi, infelizmente, aliás. Você precisa aprender como contar uma história sem fazer as pessoas quererem enfiar o saleiro goela abaixo. Mas enfim; a única coisa que quero saber é: porque você tá levando tudo isso tão a sério?
            Ergui a sobrancelha, indignada. O que ele esperava que eu fizesse? Fingisse que eu não encontrei a réplica de um anjinho gorducho queimado no meu quarto? Ou simplesmente esquecer que eu fiz uma conta no site da Madame Dite, para mais informações sobre feitiços de amor (já devia ter uma dúzias de e-mails na minha caixa de entrada)?
            Ah, quem sabe eu não deveria apagar da minha memória aquele cheiro insuportável de mel com vodka?
            - Como você quer que eu leve – falei, me irritando cada vez mais – isso então, Dan?
            - Como qualquer pessoa de ressaca levaria? Simplesmente ignorando tudo.
            - Há! Eu já te disse isso que eu “tenho que ignorar” é um boneco carbonizado que ainda está no meu quarto, e isso sem falar no fato de que, caso não tenha sacado, eu e Lena fizemos um feitiço. Não dá para simplesmente ignorar isso.
            - Claro que dá. – Dan falou, rindo um pouco. Olha, pode ser preconceito ou qualquer coisa assim da minha parte, mas não existe nada pior do que um cara gay, gato e inteligente viu. Eu queria estrangular aquele garoto!
            - Posso saber como?
            - Gata – falou ele, se aproximando de mim, como se contasse um segredo – quantas ressacas você acha que moi já passou nessa vida, hein? Quantas vezes você acha que eu acordei ao lado de pessoas/objetos/bonecos/líquidos/lugares/animais/e roupas desconhecidas e sem ter a menor idéia do por que elas estavam ali? E às vezes sem nem saber do porque eu estava ali. Você fala que fez um feitiço... eu já devo, sei lá, ter escrito um romance espírita quando bebia (porque agora você sabe né, eu e o J estamos nessa campanha antialcool, porque faz bem para a imagem dele e tudo mais) mas quem disse que eu liguei?
            - Por mais maravilhoso que seja saber da sua vida de orgias alcoólicas por aí, isso é diferente. Nem eu nem Lena fazemos esse tipo de coisa toda hora. E ao contrário do que aparentemente você pensa, nós nos importamos com as coisas que fazemos quando estamos bêbadas... principalmente se elas envolverem um feitiço.
            - Ah, fala sério, você tá dando muita importância para isso tudo. Então você disse umas palavras mágicas – disse Dan, mexendo os dedos e engrossando a voz – para um pote com mel e um boneco dentro. Então você botou fogo nisso tudo e sentiu “uma coisa dentro do seu peito”. E daí? Não é como se isso fosse funcionar de verdade, você sabe.
            - Funcionou com minha prima. E com uma amiga minha.
            - Hum! Coincidência, fofa.
            - Coincidência? Então você tá querendo me dizer que não há nem a menor chance, nem a mais remota chance de um cara aparecer agora na nossa mesa, olhar nos meus olhos e dizer que me ama mais do que qualquer coisa nesse mundo, e que não faz a menor idéia do que porque disso?
            - Sim. – Dan falou, dando de ombros. –Ao menos que o cara estivesse falando comigo. Aí, é simplesmente compreensível.
            - Urgh!! Não acredito que perdi meu tempo vindo aqui conversar com você!
            Levantei-me da mesa, mesmo que meu prato ainda estivesse pela metade. Eu era muito retardada. Como achei que poderia ter aquela conversa com o Dan? Com o Dan?? De todas as pessoas, ele era o único que mais me julgaria por isso tudo.
            Eu não estava apenas irritada. Eu estava puta da vida. Quer dizer, já não basta eu estar de ressaca, estar comendo feito uma porca, e estar com uma macumba sinistra escondida no meu armário, ainda precisava ficar ouvindo um modelo metido me dizer que nenhum cara, nem na mais remota possibilidade, vai se apaixonar por mim?! Tudo tem limite né.
            Puxei a cadeira para trás, e peguei minha bolsa, olhando furiosa para ele.
            - Nina, onde você vai? – ele perguntou, franzindo a testa.
            - Onde você acha que eu vou? Eu vou sair daqui.
            Dan se levantou também, querendo ensaiar desculpas. Mas o semblante cético e zombador ainda estampava seu rosto.
            - Que isso Nini, eu tava só brincando.
            - Ah, é?, mas eu não estava. Eu realmente não sei o que fazer, Dan, e realmente esperava que você pudesse, não sei, me ajudar de alguma forma. Mas como eu sou besta em achar isso, não é mesmo?
            Comecei a sair da mesa, indo para a porta do restaurante.
            - Nina!
            Nesse ponto eu estava apenas ignorando Dan. Eu tentava ir embora, mas minha bolsa ficava prendendo em todas as cadeiras atrás de mim.
            - Vamos lá amor, me desculpa, vai? Dá uma chance pro seu Danzinho aqui? Pleaase...
            Eu por fim puxei a bolsa da última cadeira, e estava a ponto de sair dali ignorando meu amigo idiota completamente, quando alguém, aparentemente saído do nada, trombou comigo, me derrubando no chão.ima cadeira, e estava a ponto de sair dali ignorando meu amigo completamente, quando alguscondida no meu arm
            No momento da queda, por algum motivo que não sei explicar, eu consegui um breve relance dos olhos da pessoa que havia me derrubado. E, talvez tenha sido a queda, ou a luz do restaurante ou algo do tipo, mas... aqueles olhos eram... cor-de-rosa???
            Se eram ou não, não deu para saber ao certo. Pois, um segundo depois, eu sentava com a bunda no chão frio do restaurante.
            - Ai! – disse, mais pelo susto que qualquer outra coisa.
            - Me desculpa! – falou o... garçom, percebi, vendo seu uniforme. Ele carregava uma bandeja vazia, que, por algum motivo estranho, não havia desgrudado de sua mão, mesmo depois de cair.
            Todos do restaurante olhavam para mim. Era uma boa coisa meus óculos serem assim tão grandes, pois assim a visão completamente vermelha do meu rosto não era tão visível e humilhante quanto poderia ser.
            - Ah...  não tem... problema. – eu falei, tentando ignorar os olhares das pessoas e prestando atenção no rosto do garoto.
            O tal garçom era extremamente bonito. Não tão bonito quanto Dan, era verdade, mas ainda assim... era bem bonito. Seu cabelo era loiro claro, e era completamente despenteado – não do jeito despenteado-arrumado como muitos garotos usam – e sim, realmente bagunçado, de um jeito que deixava claro que ele realmente não havia encostado a mão no cabelo desde que acordara.
            E seu rosto era angular e diferente, com pequenas pintinhas sobre o nariz. Havia uma mancha curiosa sobre sua sobrancelha. Uma mancha com a forma exata de um coração.
- Eu realmente sinto muito. – ele falava. – Sou muito desastrado.
Olhei bem em seus olhos, esperando ver aquele cor-de-rosa brilhante que tinha avistado antes... mas nada. Ele tinha olhos castanhos simples como os meus.
            Que coisa mais estranha.
            - Ah, não tem... problema. – eu repeti, me sentindo uma tonta.
            O garçom se levantou, e olhou para mim.
            Bem, aquilo era mais estranho. O cara ficou simplesmente olhando para mim, como se estivesse esperando algo. Depois de um tempo sem saber bem o que fazer – e de perceber que eu estava ali, sentada no chão do restaurante – eu estiquei minha mão para o garoto esquisito.
            O garoto sorriu. Como se aprovasse o que eu acabara de fazer.
            (eu já disse que isso tudo era estranho?)
            Ele aproximou de mim e pegou minha mão... e no mesmo instante eu afastei a minha rapidamente. Isso porque um choque elétrico estalou em meus dedos, voando do meu braço para meu corpo e afundando dentro do meu coração. A exata sensação que eu tive ao mergulhar o cupido na vasilha com o mel e as flores...
            - Está tudo bem. – disse o garçom, ainda sorrindo. Ele pegou meu braço e me puxou, fazendo com que eu ficasse de pé. – Pronto, você parece estar bem agora. Vou indo, então. Te vejo... por aí.
            E com isso, o garoto colocou a bandeja numa mesa, olhou mais uma vez para mim, e, ainda sorrindo misteriosamente, saiu do restaurante. Simplesmente assim.
            Ok, isso tudo era esquisito, esquisito e es.qui.si.to!
            Eu olhei para as pessoas a minha volta, procurando um olhar tão assustado quanto o meu, mas ninguém prestava mais atenção. Olhei meus dedos, lembrando daquela sensação tão estranha, de como se um raio me atingisse, e me virei para Dan, já esquecida da nossa discussão.
            - Você acredita nisso que acabou de acontecer? – falei, me lembrando dos olhos do garçom parecerem ser cor-de-rosa e da mancha em forma de coração em sua testa.
            - Ahhh...
            - E os olhos dele... parecia que...
            - Ahh...
            - Será que eu imaginei tudo aquilo?
            - Ah...
            - Dan, você está me ouvindo?!
            Finalmente olhei para Dan... que estava me olhando fixamente.
            Sua boca estava aberta, seus braços tremiam levemente e seus olhos...
            Os olhos de Dan estavam cor-de-rosa.
            - Dan!! O que é...
            - Nina! – ele disse, quase gritando. Sua voz estava esquisita. Meio que não parecia a voz dele.
            - Ni... Nina.
            Aproximei-me dele, olhando seus olhos rosa brilharem para mim. Será que aquilo estava acontecendo mesmo? Ou será que eu havia enlouquecido de vez?
            - Dan, você está bem?
            - Nina! – Dan, olhou no fundo dos meus olhos, e juntou minhas mãos às suas. – Nina, eu... eu...
            - Você...? – eu estava ficando assustada. Dan parecia estar sofrendo um ataque.
            - Nina eu te amo! Nina eu te amo tanto! Nina, eu te amo mais do que qualquer coisa nesse mundo! Nina... Ah, Nina! Você é o amor da minha vida!!
            Nesse ponto ele estava gritando, e todo o restaurante olhava para mim mais uma vez.
            - Dan! Pare com isso, idiota! Você me assustou, sabia.
            Eu deveria ter desconfiado. Era tudo mais uma brincadeira malvada de Dan.
            - Nina, não fale assim comigo, por favor. Nina, eu te amo muito!
            Empurrei suas mãos para longe e peguei minha bolsa, que ainda estava no chão. Não acreditava que Dan ainda estava me zoando depois da nossa briga. Como ele era idiota!
            - Ni...
            - Vai se ferrar, Daniel. – falei, me virando para sair dali, mais irritada do que nunca.
            Mas novamente algo me impediu. Eu parei no ato, antes de dar o próximo passo... porque Dan estava aos meus pés, segurando minha perna.
            Eu vou dizer de novo: Dan estava aos meus pés. Seria até engraçado... se não fosse tão bizarro e completamente sinistro.
            - Dan, o que você está fazendo?!
            - Por favor não me deixe Nina! Aah, Nina, eu te adoro, eu te amo mais do que qualquer outra coisa! Por favor, não vá! Por favor Nina...
            Eu estava a ponto de dar um belo pontapé naquele modelo de cuecas de uma figa... quando percebi que Dan estava chorando. Estava realmente chorando.
            E seus olhos ainda estavam cor-de-rosa, e ainda mais rosas, graças às lágrimas.
            - Nina, por favor! Eu descobri meus sentimentos por você, agora não me deixe! Eu te amo mais que minha vida, eu amo você mais do que qualquer amor desse mundo! Por favor, por favor, diga-me que me ama também!
            Eu agachei assustada e disse: - Dan... você é gay, se lembra? O que está dizendo?
            - Não, eu estava cego antes, meu amor! Por favor, perdoe meus atos. Eu te amo, agora eu sei disso! EU TE AMO!
            Não dá para explicar como eu estava naquele momento. Não dava para decidir; se eu ficava morta de vergonha, por aquele show bem no meio de um restaurante do Pátio Savassi, se ficava assustada, por meu amigo estar chorando, aos meus pés, com os olhos cor-de-rosa, e dizendo que me amava – muito embora ele seja gay – ou se ficava lisonjeada. Porque, venhamos e convenhamos, o Dan era muito, muito gato.
            - Nina, me diga, vamos! Diga-me! Você me ama tanto quanto eu te amo? Por favor, me fale! Eu te amo, estou sobre seu feitiço Nina! Por favor...
            Então eu me liguei.
            Os olhos cor-de-rosa, as declarações totalmente piegas, o garçom esquisito, a mancha em forma de coração, o choque elétrico...
            Dan estava certo. Ele estava sobre meu feitiço.
            Ou melhor, sobre o feitiço do cupido.
            Puta que pariu.

2 comentários:

  1. Muito obrigadaa!!... "Guia da Leitura e Companhia", ou melhor, Angélica! Pena que eu tenha que passar por tudo que passo para fazer você gostar haha
    aah, e parabéns, vc é oficialmente a primeira pessoa a comentar no meu blog *--*

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